Desaceleração preocupa a China, que vê sua economia se aproximar de um ponto crítico

Com 70% da riqueza das famílias vinculada ao setor imobiliário, crise no ramo ameaça derrubar todo o castelo de cartas da economia chinesa

O ritmo de crescimento econômico da China está diminuindo. Enquanto isso acontece, seus legisladores adotam medidas para enfrentar especialmente a crise do setor imobiliário, focando sobretudo nos desafios enfrentados pela grande incorporadora Country Garden.

O cenário gera crescente preocupação, dada a possibilidade de a segunda maior economia do mundo estar se aproximando de uma situação crítica, segundo análise da agência Reuters.

Mas, quais seriam os motivos?

Diferentemente dos consumidores no Ocidente, a população chinesa enfrentou, em grande parte, a pandemia da Covid-19 por conta própria, e a esperada onda de gastos de “vingança”, um forma de os cidadãos compensarem com compras o período de quarentena, nunca se materializou após a reabertura na China.

E não é só isso. A demanda por exportações chinesas tem diminuído, à medida que os principais parceiros comerciais lidam com o aumento do custo de vida.

Trabalhadores da construção civil em Tianjin, China (Foto: World Bank/Flickr)

Com cerca de 70% da riqueza das famílias chinesas vinculada ao setor imobiliário, a significativa desaceleração nesse setor está se espalhando para outras partes da economia.

E isso vem de agora?

Os alarmes econômicos soaram em momentos críticos, como durante a crise financeira global de 2008-09 e durante a preocupação com a saída de capitais em 2015. A China restaurou a confiança através de um surpreendente impulso ao investimento em infraestrutura e ao incentivo à especulação no mercado imobiliário, entre outras medidas.

No entanto, o aumento dos investimentos em infraestrutura gerou um excesso de dívida, e a bolha imobiliária eventualmente estourou, gerando riscos para a estabilidade financeira atualmente.

Dado que o investimento chinês, impulsionado pela dívida, em infraestrutura e propriedades atingiu seu ponto máximo, e as exportações estão desacelerando em consonância com a economia global, a China só tem uma outra fonte de demanda a explorar: o consumo das famílias.

Nesse contexto, esta desaceleração assume características distintas.

A recuperação da China depende em grande parte da capacidade de persuadir as famílias a gastarem mais e economizarem menos. Isso será fundamental para compensar as fraquezas em outras áreas da economia com a demanda dos consumidores.

Gastos domésticos

Antes mesmo da pandemia, o consumo das famílias na China representava uma proporção muito baixa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do país. Isso era considerado pelos economistas como um desequilíbrio estrutural significativo em uma economia que dependia fortemente do investimento impulsionado pela dívida.

Os economistas apontam que a fraca demanda interna, resultante da contenção nos investimentos do setor privado e da deflação que a China experimentou em julho, é a principal causa desse desequilíbrio. Se a deflação persistir, pode agravar ainda mais a desaceleração econômica e aprofundar os problemas relacionados à dívida.

O desequilíbrio entre o consumo e o investimento na China é mais sério do que aquele observado no Japão antes de sua “década perdida” na década de 1990.

Em termos de gastos das famílias em proporção ao PIB, Beijing fica atrás da maioria dos outros países.

Futuro da desaceleração econômica

Leituras de dados econômicos fracas levantaram preocupações entre alguns economistas de que a China possa enfrentar dificuldades para atingir sua meta de crescimento econômico de aproximadamente 5% em 2023 sem um aumento nos gastos do governo.

Embora 5% ainda seja uma taxa de crescimento considerável em comparação com muitas outras grandes economias, para a China, que investe cerca de 40% de seu PIB anualmente – aproximadamente o dobro dos Estados Unidos – esse número é considerado decepcionante por economistas.

A incerteza sobre o apetite do governo por grandes estímulos fiscais também persiste, devido aos altos níveis de dívida municipal. A dívida da China atingiu três vezes o tamanho de seu PIB em 2022. A preocupação cresce ainda mais devido à tensão no mercado imobiliário, que representa cerca de um quarto da atividade econômica e aumenta as preocupações sobre a capacidade dos tomadores de decisão de conter a desaceleração no crescimento.

Alguns economistas alertam que os investidores podem ter que se acostumar com um crescimento muito mais lento, e uma minoria até mesmo sugere a possibilidade de uma estagnação semelhante à vivida pelo Japão. Por outro lado, outros economistas apontam que muitos consumidores e pequenas empresas já estão enfrentando dificuldades econômicas profundas, com taxas de desemprego juvenil superiores a 21% e pressões deflacionárias afetando as margens de lucro.

Taxas de juros

Na sexta-feira passada (1º), os principais bancos chineses reduziram as taxas de juros de vários depósitos em yuan, com o objetivo de aliviar a pressão sobre suas margens de lucro e possibilitar a diminuição dos custos dos empréstimos, especialmente as taxas hipotecárias.

Embora as autoridades esperem que taxas de juros mais baixas estimulem o consumo, os economistas alertam que os cortes nas taxas de depósito, que os acompanham, efetivamente transferem fundos dos poupadores para os tomadores de empréstimos. Uma transferência de recursos do governo para as famílias teria um impacto mais significativo a longo prazo.

Além disso, os cortes nas taxas de juros podem criar riscos de desvalorização do yuan e saída de capital, algo que a China deseja evitar. O banco central chinês anunciou que reduzirá a quantidade de moeda estrangeira que as instituições financeiras devem manter em reserva, pela primeira vez enste ano, para combater a pressão sobre o yuan.

O que Beijing pode fazer?

Os economistas estão buscando a implementação de medidas que aumentem a participação do consumo das famílias no PIB.

Essas medidas podem incluir a emissão de vales de consumo financiados pelo governo, reduções fiscais significativas, estímulo a um aumento mais rápido dos salários, aprimoramento da rede de segurança social com benefícios previdenciários mais substanciais, subsídios de desemprego e a disponibilização de serviços públicos de melhor qualidade e mais amplamente acessíveis.

Nenhuma dessas medidas foi mencionada durante recente reunião de liderança do Partido Comunista Chinês (PCC). No entanto, os economistas estão aguardando com expectativa uma importante conferência do partido em dezembro, na qual esperam que sejam discutidas reformas estruturais mais abrangentes.


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