Desde que assumiu o poder em um golpe de Estado em fevereiro de 2021, a junta militar de Mianmar condenou pelo menos 156 pessoas à morte, incluindo quatro adolescentes e muitos jovens na faixa dos 20 anos, segundo informou a rede Radio Free Asia (RFA).
O levantamento foi feito pela Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos da Tailândia (Burma), um grupo de monitoramento da repressão no país. De acordo com o relatório, a junta tem aumentado o número de condenações a ativistas políticos como forma de intimidar os oponentes do governo. Pelo menos 42 dessas condenações foram realizadas em julgamentos à revelia.
De acordo com um funcionário da Burma, que preferiu manter o anonimato por motivos de segurança, o número real de pessoas condenadas à morte pela junta militar pode ser significativamente maior. Ele reforçou a ideia de que a junta utiliza intencionalmente sentenças de morte como uma tática para injetar medo na população. No entanto, observa que o povo envolvido na revolução da primavera continua “determinado a enfrentar a junta”, não importando o quão assustadores eles tentem ser.

Na lista de pessoas condenadas está Kaung Set Paing, um membro da Federação de Sindicatos de Estudantes da Birmânia, com cerca de 20 anos de idade e preso desde dezembro de 2022. Em 25 de abril, ele foi acusado de incitação e terrorismo, resultando em uma sentença de morte e prisão perpétua.
Yatu, uma assim identificada amiga de Paing, expressou profunda tristeza ao descobrir que ele foi submetido a um mês de tortura durante o interrogatório antes de receber sua sentença. Ela destacou que um jovem de 20 anos como ele deveria estar “desfrutando de seus estudos”, caso não tivesse ocorrido o golpe militar.
“No entanto, agora ele se encontra em uma situação desesperadora na prisão”, disse Yatu, que diz ter preocupações constantes com o amigo, uma vez que ele foi “condenado à morte e pode ser executado a qualquer momento”.
Em julho, a junta militar de Mianmar realizou as primeiras execuções judiciais no país em mais de 30 anos, vitimando quatro ativistas proeminentes. Essa ação representa um marco alarmante, vez que demonstra a intensificação da repressão por parte do regime.
Morte nas prisões
Nay Phone Latt, porta-voz do autodenominado Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar os militares no poder desde o golpe, fez sérias acusações contra a junta militar, referindo-se às sentenças outros como “assassinatos na prisão”.
Ele afirmou que a junta militar está recorrendo a “várias formas de assassinato para manter seu poder”, tanto dentro quanto fora das prisões. Segundo Latt, essas ações são indicativas do “comportamento terrorista” e ilegítimo da junta, destacando a necessidade de um governo verdadeiramente legítimo que trate as sentenças de morte de forma justa e dentro dos limites da lei.
Thein Tun Oo, diretor-executivo do Instituto Thayninga de Estudos Estratégicos, que é composto por ex-militares, defendeu a necessidade das sentenças de morte, argumentando que o governo militar controla os três poderes do país.
Segundo ele, do ponto de vista legal, não há fundamentos para contestar esses julgamentos e as sentenças aplicadas, pois estariam de acordo com a legislação vigente. Ele ressaltou que, embora haja o direito de apelar, a decisão final sobre a concessão ou não da pena de morte depende da gravidade dos crimes cometidos pelos réus.
Essa perspectiva destaca o apoio de alguns setores à junta militar e sua interpretação da lei, justificando as sentenças de morte como uma medida legítima dentro do sistema jurídico do país, apesar das preocupações e críticas de organizações de direitos humanos.
Sentenças ilegítimas
No entanto, um advogado da área jurídica afirmou à reportagem que as sentenças são ilegítimas, pois os réus foram julgados em tribunais militares e não receberam uma defesa adequada durante o processo.
De acordo com ele, “há apenas um tribunal militar de apelação disponível. Se esse tribunal rejeitar o recurso, a única opção restante para o réu é apresentar uma petição de clemência ao líder da junta”, o general Min Aung Hlaing.
Essa limitação no sistema jurídico restringe os direitos e as garantias legais dos réus, o que coloca em questão a legitimidade das sentenças impostas. O advogado compartilhou essas informações anonimamente, refletindo a sensibilidade do assunto e possíveis repercussões para aqueles que se manifestam contra a junta militar.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.
O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.