Ex-presidente filipino está sob escrutínio por acordo secreto com Xi Jinping

Ex-juiz diz que 'acordo de cavalheiros' efetivamente entregou o controle de um disputado atol a Beijing e fala em 'traição'

A recente revelação que envolve o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte, sobre um acordo informal com o presidente chinês, Xi Jinping, para manter o status quo no Mar da China Meridional, gerou uma onda de indignação no país do Sudeste Asiático e provocou pedidos para que o político filipino seja acusado de traição. As informações são do jornal South China Morning Post.

Supostamente, Duterte negociou um “acordo de cavalheiros” com Beijing para lidar com as tensões no Mar da China Meridional. A revelação veio de Harry Roque, ex-porta-voz presidencial, que informou à imprensa no início do mês que o ex-líder instruiu o governo chinês a manter o status quo nas águas disputadas, o que implicava na não construção de postos militares avançados.

Antonio Carpio, ex-juiz associado da Suprema Corte, se pronunciou sobre o assunto. Ele afirmou à imprensa na última sexta-feira que o suposto “acordo de status quo” de Duterte, na verdade, resultou na concessão de controle à China sobre o Second Thomas Shoal, nas Ilhas Spratly, um arquipélago alvo de disputa entre as duas nações. Ali, um navio encalhado funciona como base militar filipina e serve para o país manter a posse do local.

Rodrigo Duterte e Xi Jinping em encontro em agosto de 2019 (Foto: divulgação/cpc.people.com.cn)

Carpio manifestou seu respaldo à proposta de uma investigação legislativa para examinar o acordo, que ele considera ser “contrário aos interesses nacionais”.

O ex-juiz expressou apoio à investigação e defende a criação de uma lei que puna com prisão quem cometer traição em tempos de paz, destacando a necessidade de fechar essa lacuna legal para evitar ações como as de Duterte.

O atual presidente filipino, Ferdinand Marcos Jr., disse que um “acordo de cavalheiros” feito por seu antecessor com Beijing sobre a disputa no Mar do Sul da China foi mantido em segredo do público e o descreveu como “secreto” em uma coletiva de imprensa em Washington.

A manifestação ocorreu após uma reunião trilateral com o presidente Joe Biden e o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, na qual Marcos Jr. enfatizou a importância de o país conhecer os detalhes do compromisso feito por Duterte.

Em relação ao navio encalhado propositalmente em Second Thomas Shoal, uma forma de as Filipinas manterem sua reivindicação territorial, o ex-presidente afirmou que alimentos e água poderiam ser fornecidos aos marinheiros a bordo, com base no acordo. Mas não materiais para reparo ou reforço da embarcação.

Carpio criticou essa parte do acordo em 1º de abril, argumentando que a falta de materiais de reparo “levaria à deterioração do navio de guerra, já que ele está enferrujado”. Assim, as Filipinas acabariam perdendo sua base e entregariam fatalmente o local a Beijing.

Duterte rebateu de forma contundente as críticas de Carpio. “O que não me agrada é que até mesmo esse ex-juiz estúpido esteja comentando sobre o acordo de cavalheiros, do qual ele definitivamente não participou”.

Desde o ano passado acumulam-se os episódios de navios chineses assediando e bloqueando repetidamente navios filipinos que tentavam fornecer suprimentos ao navio encalhado. As autoridades chinesas afirmam que as Filipinas violaram um acordo anterior, que permitia apenas a entrega de suprimentos básicos aos marinheiros e soldados filipinos, excluindo materiais de construção.

A tensão aumentou significativamente quando os navios chineses usaram canhões de água para interromper as operações de abastecimento filipinas.

O mais recente incidente ocorreu em março, quando Manila afirmou que embarcações chinesas causaram colisões com barcos filipinos e dispararam canhões de água durante uma missão de reabastecimento perto de Second Thomas Shoal. A China, por sua vez, alegou ter tomado medidas contra a “intrusão ilegal” dos navios filipinos em suas águas.

Disputa antiga

Filipinas e China reivindicam grandes extensões do Mar da China Meridional, que é uma das regiões mais disputadas do mundo. VietnãMalásiaBrunei e Taiwan também estão inseridos na disputa pelos ricos recursos naturais da hidrovia.

A China é acusada de avançar sobre a jurisdição territorial dos demais países construindo ilhas artificiais e plataformas de vigilância, além de incentivar a saída de navios pesqueiros para além de seu território marítimo. O objetivo dessa política é aumentar de forma gradativa a soberania chinesa no Mar da China Meridional.

No caso específico da relação entre Beijing e Manila, um momento particularmente tenso ocorreu em março de 2022, quando um navio da guarda costeira chinesa realizou “manobras de curta distância” que quase resultaram em colisão com um navio filipino.

Na ocasião, Manila alegou que o navio chinês desrespeitou a conduta náutica quando navegava próximo à ilha Scarborough Shoal, que fica na ZEE filipina, 124 milhas náuticas a noroeste do continente, e é alvo de disputa internacional.

Em resposta, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Wang Wenbin disse à época que o país dele tem direitos soberanos sobre Scarborough Shoal. Entretanto, uma arbitragem internacional em Haia, em 2016, invalidou as reivindicações de Beijing sobre a hidrovia, pela qual passam anualmente cerca de US$ 3 trilhões em comércio marítimo.

Beijing, que não reconhece a decisão, passou a construir ilhas artificiais no arquipélago, a fim de manter presença permanente por lá. Ao menos três dessas ilhas artificiais estão totalmente militarizadas, conforme apontam imagens de satélite.

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