Hong Kong ameaça usuários de game que simula revolta contra o Partido Comunista Chinês

Aplicativo permite jogar com personagens pró-democracia e foi acusado de incitar subversão e secessão na China

Um jogo de celular ambientado em um futuro distópico em que rebeldes tentam derrubar o regime comunista da China se tornou o mais novo alvo da repressão em Hong Kong. Nesta semana, a Polícia Nacional de Segurança da cidade emitiu um alerta contra o download do game Reversed Front: Bonfire, acusando o aplicativo de “promover revolução armada” e ameaçando usuários com punições previstas na rígida lei de segurança nacional. As informações são da Radio Free Asia (RFA).

No comunicado, as autoridades afirmaram que qualquer pessoa que baixe o jogo, o recomende ou realize compras dentro da plataforma pode estar cometendo crimes graves como “incitação à secessão” e “subversão contra o sistema fundamental da República Popular da China”. “Aqueles que já baixaram o aplicativo devem desinstalá-lo imediatamente e não desafiar a lei”, alertou a polícia.

Lançado originalmente em 2020 por um grupo identificado como ESC Taiwan, o jogo permite que os usuários escolham entre diferentes facções rebeldes — como Hong Kong, Taiwan, Tibete e Xinjiang — ou, se preferirem, podem assumir o controle do Exército Vermelho para reprimir as revoltas. Os desenvolvedores, que se descrevem como um grupo civil voluntário, afirmam que parte da receita do jogo é destinada a organizações que combatem o Partido Comunista Chinês (PCC) no exterior.

Bandeiras de Hong Kong (esq.) e China lado a lado (Foto: Lianqing Li/Flickr)

“É absurdo que o governo tema esse jogo, especialmente porque os jogadores podem escolher qualquer facção — inclusive o Exército Vermelho”, declarou um gamer identificado como Fu Tong. Para ele, a repressão revela o “medo profundo de liberdade” e o quanto o sistema se tornou frágil.

Os personagens da facção de Hong Kong são inspirados em símbolos dos protestos de 2019. Uma das figuras do jogo, chamada “Sylvia”, veste uma máscara de gás e uma camiseta com a frase “Libertar Hong Kong, Revolução de Nosso Tempo”. Outra personagem, “Ka Yan”, aparece com fita azul e branca, semelhante às usadas pela polícia da cidade.

Segundo uma fonte ligada ao ESC, os desenvolvedores arrecadaram mais de 6 milhões de dólares de Hong Kong (R$ 4,21) por meio de campanhas de financiamento coletivo em Taiwan e Hong Kong, ainda em 2019. O jogo, que também teve versão de tabuleiro, já havia sido criticado pela imprensa estatal chinesa por promover “separatismo”.

Segundo um jogador identificado como Andy, grupos temáticos de Hong Kong dentro do jogo apagaram suas conversas após a declaração das autoridades, com medo de que fossem monitorados. “Apoiar esse jogo também permite simbolicamente defender o território de Hong Kong”, disse.

Apesar do aumento de interesse após a nota da polícia, o aplicativo já não estava mais disponível na loja da Apple em Hong Kong, embora ainda possa ser baixado nos EUA.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta chinesa aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que a partir de junho de 2020 deu ao governo de Hong Kong o poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. O antigo texto vinha sendo usado até março de 2024, quando uma nova lei, ainda mais dura, foi aprovada.

A aprovação do novo texto legal atendeu a uma determinação da Lei Básica, uma espécie de Constituição do território. Ela exigia em seu artigo 23 que um mecanismo legal próprio fosse estabelecido para substituir o anterior, este imposto emergencialmente pela China. A nova versão da lei pune crimes como traição, insurreição, incitação de membros das Forças Armadas ao motim e conluio com forças externas.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação vêm diminuindo cada vez mais em Hong Kong desde que a antiga lei entrou em vigor, ampliando a repressão aos dissidentes. Já as autoridades locais reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território.

Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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