Hong Kong realiza as primeiras prisões com base na nova lei de segurança nacional

Seis pessoas foram presas acusadas de publicar conteúdo online referente ao Massacre da Praça da Paz Celestial, que completará 35 anos

A nova lei de segurança nacional de Hong Kong, cuja redação prevê punições mais duras que a anterior, foi usada pela primeira vez pelas forças de segurança nesta semana. Seis pessoas foram presas acusadas de divulgar material sedicioso relacionado ao Massacre da Praça da Paz Celestial, que no dia 4 de junho completará 25 anos. As informações são do jornal South China Morning Post.

Segundo o governo local, uma mulher, que contou com a ajuda de outras cinco pessoas, teria usado o Facebook para “publicar continuamente postagens para incitar o ódio contra as autoridades centrais, o governo municipal e o Judiciário.” A denúncia diz, ainda, que o grupo “tirou vantagem de uma data sensível que se aproxima”, referência ao Massacre de 1989 na China.

Emblema nacional da República Popular da China na Praça da Paz Celestial (Foto: WikiCommons)

O novo texto da lei de segurança nacional foi aprovado em março deste ano, atendendo a uma determinação da Lei Básica, uma espécie de Constituição do território. Ela exigia em seu artigo 23 que um mecanismo legal próprio fosse estabelecido para substituir o anterior, este imposto emergencialmente pela China em 2020 para conter as manifestações populares pró-democracia de 2019.

A lei, que agora foi usada pela primeira vez, pune crimes como traição, insurreição, incitação de membros das Forças Armadas ao motim e conluio com forças externas. O texto também cita o crime de sedição, que não constava no antigo, e os casos mais graves são puníveis com a prisão perpétua. Foi justamente este o artigo aplicado contra o grupo preso nesta semana.

Chris Tang, secretário de Segurança do território, disse que as prisões foram efetuadas devido ao tom dos comentários, não devido à referência ao Massacre na China. “Gostaria de reiterar que o crime não tem a ver com o assunto. Eles estão utilizando o assunto para incitar o ódio contra o governo central (Beijing) e contra nosso governo de Hong Kong e o Judiciário. Este incitamento ao ódio é a causa do crime”, disse.

Os textos, publicados pelo grupo a partir do dia 30 de abril, contêm uma retrospectiva dos eventos de 35 anos atrás, tema que é duramente fortemente na China, bem como reflexões pessoais sobre o histórico episódio. Os detidos são cinco mulheres e um homem, cujas idades variam entre 37 e 65 anos. Tang não explicou por que o material incidiu no crime de sedição.

O Massacre de 1989

Em 4 de junho 1989, o Partido Comunista Chinês (PCC) reprimiu violentamente manifestações pró-democracia que se concentraram na Praça da Paz Celestial, Tiananmen para os chineses, em Beijing.

Na ocasião, milhares de estudantes e trabalhadores haviam se reunido para lamentar a morte do secretário-geral do PCC, Hu Yaobang. Porém, a marcha pacífica logo se transformou em um movimento por maior transparência do governo, por reformas e democracia na China.

O exército foi mobilizado e dispersou a multidão com armas de fogo e tanques de guerra, considerando a manifestação popular uma ameaça ao poder do partido. Números oficiais de mortos e feridos nunca foram divulgados, vez que o governo chinês tornou o assunto proibido no país. Porém, dados levantados pelo governo britânico e reproduzidos pela rede BBC apontam cerca de dez mil vítimas fatais.

Desde então, o PCC colocou uma pedra sobre o assunto, e qualquer tentativa de relembrar o ocorrido é reprimida com censura e por vezes violência. A repressão atinge inclusive Hong Kong, hoje território chinês, onde a vigília anual pelas vítimas do Massacre foi proibida e levou à prisão de ativistas.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. O antigo texto vinha sendo usado até março deste ano, quando uma nova lei, ainda mais dura, foi aprovada.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território.

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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