Investigação revela incidente com pesqueiro chinês que quase atingiu navio dos EUA

Washington busca punição aos navios envolvidos no episódio, que poderia ter causado um grave incidente internacional

Em agosto deste ano, um navio da guarda costeira dos EUA fortemente armado se aproximou de uma frota de centenas de pesqueiros chineses que atuavam perto das ilhas Galápagos, no Equador. O objetivo da operação, que obedecia as leis internacionais, era inspecionar as embarcações em busca de indícios de pesca ilegal. Para surpresa das autoridades norte-americanas, três dos barcos fugiram, e uma manobra agressiva de um deles quase causou uma colisão que poderia gerar um grave incidente internacional. O episódio só foi revelado nesta semana em reportagem da agência Associated Press (AP).

Agora, o governo norte-americano atua para que os navios envolvidos no episódio sejam sancionados por Beijing, que contra-ataca acusando a guarda costeira de agir de forma imprópria. Até então, só o que se sabia era que uma operação de combate à pesca ilegal havia sido bem-sucedida. Não havia qualquer referência à nacionalidade dos pesqueiros abordados pela guarda costeira, nem aos três em fuga.

Embora negue qualquer irregularidade, a China desde o início sabia do incidente. Tanto que fez um protesto formal aos EUA e convocou o embaixador norte-americano Nicholas Burns para uma reunião de emergência no Ministério das Relações Exteriores. Tudo isso em meio à tensão causada pela visita de Nancy Pelosi a Taiwan, que irritou profundamente o governo chinês.

Embarcação USCGC Oliver Henry da guarda costeira dos EUA (Foto: npfc.int/reprodução)

Questionado, o governo da China alegou que o navio da guarda costeira não seguiu os protocolos de combate à Covid-19, por isso a inspeção foi rejeitada. “O comportamento dos Estados Unidos é inseguro, opaco e pouco profissional”, disse o Ministério das Relações Exteriores. “Exigimos que o lado dos EUA interrompa suas atividades de inspeção perigosas e errôneas”.

Washington, por sua vez, alega que os agentes de inspeção estavam vacinados, com máscaras e luvas. E diz ainda que foram identificadas violações em duas embarcações. Uma delas, o Yong Hang 3, está entre os que fugiram. Embora pertença a uma empresa da China, ele opera com bandeira do Panamá, a fim de esconder possíveis atividades irregulares.

O Yong Hang 3 é um navio de carga refrigerado, algo frequentemente usado pela China para aumentar o volume de pesca de suas embarcações. Tais navios permanecem no mar por longos períodos, perto dos pesqueiros, e servem apenas para armazenar o produto. Assim, embarcações menores não precisam fazer viagens longas para descarregar no continente e permanecem no mar por períodos de até um ano.

Embora a prática de transferir a carga para um barco maior não seja ilegal, especialistas afirmam que ela pode ajudar a esconder a origem da carga e relatar uma quantidade de pesca inferior à real.

Invasão chinesa

O enorme volume de pesca dos navios chineses no Pacífico Sul afeta países como Peru, Argentina e Equador, preocupando não apenas os pescadores locais, mas também os ambientalistas. Por isso, os EUA têm aumentado as patrulhas na região, como a que ocorreu em agosto.

Uma situação particularmente delicada é o caso da pesca de lulas, justamente o caso do incidente reportado pela guarda costeira. Entre 1990 e 2019, o número de barcos de pesca de lulas em águas profundas subiu de seis para 528, e a captura anual foi de cinco mil toneladas para 278 mil, segundo a ONG Global Fishing Watch. Em 2019, a China foi responsável por quase todos os barcos de lula que operam no Pacífico Sul.

“A preocupação é o grande número de navios e a falta de prestação de contas, para saber o quanto está sendo pescado e para onde está indo”, disse Marla Valentine, oceanógrafa do grupo conservacionista Oceana. “Estou preocupada que os impactos que estão acontecendo agora se espalhem no futuro. Porque não são apenas as lulas que serão afetadas. Vai ser tudo o que se alimenta da lula também”.

Em 2020, o Equador apresentou um protesto a Beijing, que prometeu agir para controlar a situação. No entanto, o governo chinês se limitou a impor uma moratória nos períodos em que os peixes são menos abundantes. Também cortou subsídios governamentais e limitou o tamanho da frota, sem reduzi-la. Nada, porém, que tenha causado impacto positivo relevante.

Por sua vez, a ONG conservacionista Gallifrey Foundation ingressou com ação na Justiça da Argentina cobrando ação mais firme do governo local no que tange à preservação ambiental. Já os EUA prometem fornecer US$ 60 milhões anuais aos países da região ao longo da próxima década para combater a pesca excessiva.

Em termos ambientais, porém, as medidas são insuficientes. E, com o aumento constante do consumo de pescado, que atingiu um recorde em 2019, a única forma de contornar o problema é a conscientização de quem pesca. Sobretudo a China.

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