Massacre da Praça da Paz Celestial: aos 88 anos, mãe desafia o regime chinês em memória do filho

Zhang Xianling luta há 36 anos por justiça para o filho morto em 1989 e continua sob constante vigilância estatal em Beijing

“Ao longo de 200 metros, preciso de cadeira de rodas. Tenho 88 anos. Sou assim tão assustadora?”. A pergunta irônica é de Zhang Xianling, mãe de Wang Nan, um dos jovens mortos pelo Exército chinês durante o Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. Mesmo com dificuldades de locomoção, ela segue sob vigilância do Estado sempre que se aproxima o 4 de junho, data em que, há 36 anos, seu filho foi executado a tiros por militares de seu próprio país. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Zhang é uma das fundadoras do grupo Mães de Tiananmen (nome da Praça da Paz Celestial, do chinês), formado por familiares de vítimas que insistem, ano após ano, em visitar o Cemitério Wan’an, em Beijing, onde estão enterrados muitos dos mortos da repressão ao movimento pró-democracia.

Desde abril, ela afirma estar novamente sob monitoramento. “Eles (as autoridades) me vigiam de perto”, relatou. Em uma viagem recente, agentes de segurança a aguardavam já na madrugada: “Às seis da manhã, mandaram alguém para guardar minha porta.”

Vigília em Hong Kong, em 2009, lembra o Massacre da Praça da Paz Celestial (Foto: Wikimedia Commons)

A cada 4 de junho, a idosa entrega uma carta ao governo chinês pedindo a responsabilização pelos assassinatos, compensação às famílias e acesso aos registros oficiais da repressão. Em 1989, seu filho Wang Nan, de 19 anos, foi atingido na cabeça por um disparo de tropas que atuavam sob lei marcial. Segundo o grupo Direitos Humanos na China, ele usava um capacete de motociclista e uma antiga farda militar, o que fez seu corpo ser inicialmente confundido com o de um soldado e enterrado às pressas numa vala rasa.

Zhang só conseguiu recuperar os restos do filho dez dias depois, após enchentes exporem as sepulturas improvisadas. Desde então, não parou de denunciar o que o governo tenta apagar: a repressão que deixou centenas, possivelmente milhares, de mortos.

“Eles pediram que eu prometesse não falar com repórteres. Eu disse que não podia fazer isso. Se eu espalhar boatos e vocês me prenderem, não terei objeção. Mas tudo o que digo é verdade”, declarou.

A repressão à memória do massacre se intensificou nos últimos anos. A vigília anual que ocorria em Hong Kong foi banida desde 2020, e o termo “4 de junho” é censurado nos mecanismos de busca na China continental. Ainda assim, Zhang insiste em falar: “A dor está profundamente gravada em meu coração. É diferente do luto inicial. Uma é a saudade. A outra, o sofrimento de não ver isso resolvido”.

Apesar das restrições, ela segue em contato com outras famílias, ainda que de forma esporádica. “Não vou parar de lutar”, afirmou. “Queremos justiça para os que morreram no 4 de junho. Só quero dizer aos meus filhos que a mãe ainda está resistindo. E também dizer às autoridades que ainda estamos aqui.”

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