Presas políticas sofrem abusos sexuais em prisões de Mianmar, dizem testemunhas

Revistas e buscas corporais abusivas são conduzidas por guardas do sexo masculino, que fazem comentários inadequados sobre as vítimas

Ex-detentas em Mianmar relatam que prisioneiras políticas são frequentemente assediadas por agentes carcerários, que usam como desculpa procedimentos de “verificações de segurança”. Os casos de abuso fazem parte de um cenário de maus-tratos a prisioneiros que ganhou força a partir do golpe de Estado coordenado pelos militares em fevereiro de 2021. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Uma ex-detenta de Maubin, ao sul da região de Ayeyarwady, revelou à reportagem que sofreu assédio sexual de guardas da prisão. Ela descreveu revistas invasivas, incluindo busca manual entre as pernas e apertos no sutiã. Também contou sobre uma jovem constrangida durante a revista enquanto menstruava, que teve “solicitação de exceção” recusada.

“A jovem se sentiu envergonhada porque havia manchas em seu absorvente”, contou, acrescentando que hoje, em liberdade, ainda enfrenta traumas decorrentes do período de cárcere em Maubin.

Portão principal da prisão de Insein, Yangon (Foto: WikiCommons)

Thike Tun Oo, porta-voz da Rede de Prisioneiros Políticos em Mianmar, afirmou à RFA que revistar as detentas dessa forma fere os direitos humanos“. Ele destacou que, segundo o manual da prisão, é proibido realizar buscas íntimas em prisioneiras políticas sem o consentimento delas, considerando essa prática como “a pior forma” de violação.

Além disso, ressaltou que nem todos os detentos são submetidos a esse tipo de revista, conforme estipulado pelo manual da prisão para evitar o transporte de itens proibidos.

Hnin Si, ex-prisioneira política, denunciou que abusos sexuais, incluindo revistas invasivas, são frequentes nas prisões de Insein e Thayarwady. Durante os procedimentos, relatou que os funcionários chegam a “colocar as mãos nos sutiãs e órgãos sexuais das detentas”, fazendo comentários sobre o tamanho, caracterizando um assédio sexual generalizado. E corroborou que, mesmo durante a menstruação, as mulheres são obrigadas a mostrar suas roupas íntimas durante essas revistas.

Ouvida pela reportagem, Naw Khin San Htwe, secretária-geral da União das Mulheres Birmanesas, enfatizou a necessidade de responsabilizar oficiais e funcionários prisionais por crimes contra mulheres e pessoas LGBT politicamente ativas. Ela condenou a “tortura e assédio sexual perpetrados pelo conselho militar terrorista”, destacando que tais atos são “inaceitáveis sob perspectivas de direitos humanos, normas internacionais e lei.”

Segundo a Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos com sede na Tailândia, desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, o regime militar deteve 5.237 mulheres prisioneiras políticas.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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