Operações das forças armadas já mataram mais de 460 civis neste ano em Mianmar

Mortes ocorreram em ataques aéreos e de artilharia realizados pela junta militar para conter o avanço de rebeldes que enfrentam a ditadura

Ao menos 462 civis foram mortos neste ano em operações realizadas pelas forças armadas de Mianmar, conforme se intensificam os confrontos entre os militares e grupos rebeldes armados ativos desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021. É o que aponta um levantamento da rede Radio Free Asia (RFA).

As mortes ocorreram em ataques aéreos e de artilharia realizados pela junta militar que comanda o país, sob a liderança do general Min Aung Hlaing. Além dos 462 mortos, a RFA confirmou ao menos 812 pessoas feridas nas operações do governo ao longo dos primeiros oito meses de 2023.

Por sua vez, a Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos (AAPP), uma ONG sediada na Tailândia fundada por birmaneses que vivem no exílio, a junta já teria sido responsável pelas mortes de 4.073 pessoas desde que tomou o poder, com números atualizados pela última vez na terça-feira (12). A entidade relata, ainda, que há 24.760 presos políticos em Mianmar.

“A AAPP define um preso político como qualquer pessoa detida ou encarcerada por causa de seu papel ativo percebido ou conhecido, papel de apoio percebido ou conhecido, ou em associação com atividades que promovem liberdade, justiça, igualdade, direitos humanos, incluindo direitos étnicos, em associação com o movimento pró-democracia”, diz o site da ONG.

Tanque das forças de Mianmar (Foto: WikiCommons)

Quanto aos mortos, são em sua maioria vítimas dos ataques aéreos que se tornaram corriqueiros, pois a junta os considera mais efetivos que ações terrestres para combater os rebeldes. Entretanto, os alvos invariavelmente são áreas ocupadas por civis, o que potencializa o risco de vitimas inocentes.

“A junta percebeu que a sua estratégia de implantar colunas ofensivas no terreno é arriscada demais”, disse o coronel Naw Bu, porta-voz do Exército de Libertação Kachin, um grupo étnico de resistência. “Além disso, eles parecem acreditar que seus bombardeios e ataques aéreos estão baixando bastante o moral da resistência.”

Embora o governo não tenha se manifestado, Thein Tun Oo, diretor de um instituto formado por ex-generais birmanesas, justificou os ataques dos militares. “Você não pode culpá-los por usarem artilharia pesada. Pelas Regras de Engajamento (ROE, na sigla em inglês), nas batalhas, você não pode poupar civis nem ninguém. Como os militares têm uma tarefa a executar, não podem ser muito misericordiosos.”

Repúdio global

As ações dos militares birmaneses têm sido duramente condenadas por órgãos internacionais e nações estrangeiras. Na segunda-feira (11), na abertura da 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), investigadores independentes disseram que os crimes de guerra têm se acumulado em Mianmar.

“A frequência e a intensidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade só aumentaram nos últimos meses”, disse Nicholas Koumjian, chefe da equipa de investigação da ONU, formalmente conhecida como Mecanismo de Investigação Independente para Mianmar (IIMM, na sigla em inglês).

Ele destacou justamente os “ataques aéreos descarados e bombardeios indiscriminados, resultando nas mortes de civis inocentes, incluindo crianças. Também temos visto um aumento nas execuções de combatentes e civis capturados e incêndios intencionais de casas e aldeias.”

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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