‘Prosperidade comum’ de Xi Jinping põe em risco o futuro da classe média na China

Presidente quer diminuir desigualdade com maior faturamento dos pobres e menor dos ricos. Mas e quem está no meio do caminho?

A “prosperidade comum” é a mais recente obsessão do presidente da China Xi Jinping. O objetivo da iniciativa é nobre: aumentar o faturamento dos mais pobres, diminuir o dos mais ricos e, assim, reduzir a desigualdade social no país. Entretanto, no meio desses dois extremos da sociedade está a classe média chinesa, cujo futuro está desde já ameaçado. As informações são do jornal South China Morning Post.

Cerca de 400 milhões de chineses, ou cerca de 30% da população nacional, são considerados de classe média, com uma renda familiar anual entre 100 mil e 500 mil yuans (entre R$ 80 mil e R$ 400 mil), de acordo com o National Bureau of Statistics (NBS). E essa parcela da sociedade não está compreendida entre aqueles beneficiados pelo projeto de Xi.

“A principal abordagem da China tem sido limitar as altas rendas e aumentar as baixas rendas. Permanecerá assim em meio à desaceleração econômica”, disse Chen Daoyin, analista político independente e ex-professor da Universidade de Ciência Política e Direito de Xangai. De acordo com Chen, a classe média terá sorte se conseguir manter o padrão de vida no país.

Os sinais de desaceleração econômica já são evidentes, com destaque para a crise no setor imobiliário e a escassez energética, que levou o governo a interromper o funcionamento de indústrias no ano passado, a fim de economizar energia.

Cenas de Beijing, capital da China: classe média sufocada (Foto: Goodfreephotos)

Uma pesquisa do Banco Popular da China feita no final de 2021 indicou que 37% dos entrevistados consideravam difícil encontrar emprego, contra apenas 13% que disseram que procurar emprego era fácil. A outra metade disse que as perspectivas de emprego eram mais ou menos.

Uma das vítimas do sufocamento da classe média foi Michael Zhao, demitido de uma empresa online de educação devido à repressão do governo aos cursos que usavam professores estrangeiros. As companhias que atuavam no setor foram forçadas a mudar para um sistema sem fins lucrativos, o que levou a demissões em massa.

Atualmente, Zhao ganha a vida fazendo a ponte entre alunos chineses e instrutores estrangeiros, o que está em desacordo com a lei chinesa. “Até agora, o negócio não está ruim. Mas não tenho certeza se serei capaz de sustentá-lo porque é ilegal”, diz ele. “Estou pensando em deixar Beijing e vender meu apartamento com prejuízo”.

Zhao, que fala inglês fluente e formou-se em sociologia na Inglaterra, admite que está inserido na nova dinâmica social de Xi Jinping. “Hoje em dia, ‘prosperidade comum’ é uma palavra da moda na mídia estatal. Entendo que, em sua essência, trata-se de promover uma classe média maior. Mas, ironicamente, tenho medo de cair fora das fileiras em pouco tempo”.

Na tentativa de aquecer a economia, o governo anunciou cortes no imposto de renda até 2023. Ainda assim, a receita com o tributo cresceu 21% no ano passado em relação a 2020, superando o crescimento econômico de 8,1%. E os principais contribuintes são, claro, os cidadãos da classe média.

Entre a classe alta do país, as principais iniciativas de Beijing sob a “prosperidade comum” têm sido punir celebridades por evasão fiscal e incentivar os ricos a fazerem doações públicas. “Acho que certamente poderia haver algumas propostas para aliviar a carga tributária sobre a classe média e reduzi-la a rendas ‘irracionais’. Mas duvido que veremos uma reforma significativa do sistema tributário”, disse George Magnus, pesquisador associado do China Centre da Universidade de Oxford.

Eli Ma, diretor de marketing de uma empresa de Hong Kong, diz já enxergar sua condição de integrante da classe média ameaçada, citando o salário congelado dele e da mulher. “Nossos rendimentos são praticamente os mesmos de 2017 e 2018, pois nosso negócio foi impactado pela pandemia de coronavírus”, disse. “Estou muito chateado por ter trabalhado duro para entrar na classe alta, mas agora sinto que estou saindo da classe média”.

Por que isso importa?

Em meio à ideia da “prosperidade comum”, a pobreza continua muito real para dois terços dos chineses, a fatia classificada como “rural” ou que os investidores na China “nunca veem”. É o que apontou um artigo publicado na revista Forbes pela jornalista radicada na China Anne Stevenson-Yang, que aborda questões como a precariedade na saúde das áreas rurais e o déficit na educação.

Segundo Yang, os empregos de baixa qualificação já estão deixando a China e começam a migrar para Vietnã, Índia e outros países, mas a força de trabalho chinesa não está equipada para mudar para empregos de maior qualificação.

Já o proeminente economista Robert Z. Aliber, professor aposentado da Booth School of Business da Universidade de Chicago, previu no final de 2021 que a China sofrerá um desastre de contornos semelhantes aos que causaram o derretimento da economia norte-americana em 2008, prometendo ser ainda pior.

Segundo Aliber, o colapso iminente do setor de apartamentos de luxo fez nascer um monstro: há um excesso de imóveis que não conseguem encontrar compradores. “A economia da China está atingindo um grande muro”, sintetiza.

O pessimismo do economista alerta para um desastre em cascata: conforme os inventários de apartamentos não vendidos continuem inchando, os bancos exigirão que os construtores paguem seus empréstimos. “Essas construtoras deixarão de comprar terrenos brutos dos governos locais, causando uma queda acentuada em suas receitas. As vendas de todos os materiais que vão para a construção de apartamentos cairão. Com isso, o governo “adotará um milhão de regulamentos para limitar as reduções de preços” e fornecerá salvamentos maciços para os financiadores.

Diante desse cenário, o economista prevê uma recessão que poderá se estender por até uma década no país, antevendo também que o crescimento do PIB dificilmente ultrapassará 2%. E o pior: em alguns anos, poderá se tornar negativo. Para Aliber, o balão chinês está mais cheio do que o que explodiu há 15 anos nos Estados Unidos. Se ele tiver razão, o mundo não deve demorar muito a ouvir o estalo.

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