Putin-Xi: Um ‘Admirável Mundo Novo’ para a Eurásia?

Artigo afirma que China e Rússia poderiam desafiar o Ocidente com uma aliança que se estendesse do Mar Negro ao Mar da China Meridional

Este artigo foi publicado originalmente em inglês pelo think tank Center for European Policy Analysis (CEPA)

Por Walter Clemens

Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, declarou em 4 de março que a Ucrânia é da Rússia, indicando que o Kremlin pretende incorporar tudo o que é chamado de Ucrânia e transformar o seu povo em cidadãos obedientes.

Estas partes históricas da Rússia precisam “voltar para casa”, disse ele. O Kremlin argumenta que não se trata de expansão através da conquista, mas simplesmente de recuperar o que pertence à Rússia – uma parte inseparável do seu “território histórico e estratégico”. A Rússia continuará a lutar até que o governo de Kiev capitule.

Dois dias depois, um artigo no Moskovskii Komsomol’ets afirmava que a guerra da Rússia (a que alguns ainda se referem pelo eufemismo preferido do Kremlin, “operação militar especial”) não se limitará à tomada de ambos os lados do Dnieper. Por que? Porque a verdadeira Rússia inclui a região do Mar Negro juntamente com a Transnístria

O colunista Dmitry Popov alertou que, se os países que fazem fronteira com a Ucrânia não respeitarem os interesses da Rússia, a “operação militar especial” continuará se movendo para oeste. Ele argumentou que a Rússia se estende de Zhytomyr (perto de Belarus) a Lviv (perto da Polônia), a Vinnytsia (adjacente à Moldávia e à Romênia), a Chernivtsi (perto da Romênia) e a Uzhgorod (na fronteira com a Eslováquia e perto da Hungria). 

Presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, julho de 2018 (Foto: Wikimedia Commons)

Para “eles” – os povos de Belarus, Polônia, Moldávia, Romênia, Eslováquia e Hungria – “a oferta existe, mas devem respeitar os nossos interesses e nós pararemos.” A linguagem de Popov é ambígua, mas ele parece implicar que a renovada expansão imperial da Rússia continuará em todas as terras que fazem fronteira com a Ucrânia, a menos que aceitem a absorção da Ucrânia pela Rússia,

Em 11 de março, um artigo no mesmo jornal escrito por um sinólogo, Yury Tavrovskii, dizia que a Rússia deveria reformar a sua estrutura política com base no modelo chinês. A Rússia, escreveu ele, precisa criar um “Partido da Vitória”.  

Tavrovskii afirmou que a guerra mudou fundamentalmente a vida econômica e social da Rússia, e as recentes eleições demonstraram que quase todos os cidadãos russos apoiam Putin em tudo o que ele faz. Eles admiram o seu temperamento calmo quando as coisas ficam difíceis, disse ele, acrescentando que os russos acreditam que a estatura do seu país no mundo aumentou. (A maioria dos governos estrangeiros, observadores e jornalistas russos exilados concordaram que Putin provavelmente “ganhou” uma eleição, mas também que ele a manipulou para excluir adversários e permitir uma extensa manipulação eleitoral.)

O especialista em China disse que os russos esperam agora a transformação do seu país. Não querem mudanças como as da década de 1990, que importaram tecnologia ocidental e competição eleitoral, fragmentando a sociedade e reforçando tendências centrífugas.

Em vez disso, a Rússia precisa de uma organização política nacional moderna – um Partido da Vitória que reflita as tradições nacionais, bem como a mobilização social atual.

A Rússia hoje deveria modernizar as ideias de Lenin, como fez a China, disse Tavrovskii. O “pensamento de Xi Jinping” ajuda as pessoas a navegar pelas condições atuais com uma perspectiva estratégica em relação à nação. Adaptar as ideias de Xi poderia trazer uma nova energia à vida política da Rússia, disse ele.

A mensagem entusiasmada de Tavrovskii apareceu poucos dias antes de terroristas matarem ou ferirem quase 300 espectadores em Moscou. Estas tragédias em massa podem funcionar como facas de dois gumes, como advertiu Alexander Motyl no The National Interest de 25 de março. Podem servir como pretextos para a repressão e a guerra, mas também podem expor a indiferença do governo ao sofrimento humano e desencadear agitação.

As campanhas de Putin estão empurrando a Rússia para um governo de cima para baixo, como o descrito no romance distópico Nós, de Yevgeny Zamyatin, em 1921, e mais tarde em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley – um sistema não apenas emulado, mas superado pelo modelo de Xi Jinping.

Já se foram os sonhos de que alguém poderia pensar e falar como quisesse, alertaram os editores do meio de comunicação exilado Novaya Gazeta em 11 de março. Os tradicionalistas de Putin condenam o “egoísmo licencioso” que rejeita o patriotismo, o casamento, as famílias numerosas e as contribuições da Rússia para a história e a cultura mundiais.

A adoção do modelo chinês poderia fortalecer os laços entre o maior país do mundo em termos geográficos e outro com a segunda maior população e PIB do mundo. Se a Rússia reforçasse os seus controles sobre o pensamento e a expressão, algo mais visível em Hong Kong, o eixo sino-russo poderia produzir um “admirável mundo novo” em toda a Eurásia. 

Estas tendências colocam em perigo não apenas os povos da Rússia e da China, mas de todo o mundo.

O oposicionista russo Leonid Gozman resumiu a perspectiva do Kremlin como “Haja Guerra”. O Kremlin, segundo Gozman na Novaya Gazeta de 14 de março, acredita que pode se expandir através de uma série de pequenas guerras – mas nada tão terrível que provoque uma resposta forte do Ocidente.

Putin acredita que “um Ocidente fraco e de vontade fraca capitulará, desistindo dos seus aliados e fazendo concessões, e quando perceber que concedeu tudo o que há para conceder, será tarde demais”, escreveu ele.

A maioria dos europeus e americanos estava “dormindo” na década de 1930. E agora, na década de 2020?

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