Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News
Quatro anos após o golpe militar que mergulhou Mianmar na turbulência, o país está enfrentando uma “policrise” sem precedentes, marcada por colapso econômico, intensificação de conflitos, riscos climáticos complexos e aumento da pobreza, de acordo com um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
O relatório “A persistente policrise de Mianmar: quatro anos em uma jornada tumultuada”, lançado na quarta-feira (29), aponta para o quadro sombrio de uma nação em queda livre, com quase metade da população vivendo abaixo da linha da pobreza, serviços essenciais em ruínas e a economia em desordem.
Sem uma resolução política à vista, espera-se que a crise piore no próximo ano.
“O próximo ano testará a resiliência de Mianmar até seus limites”, alerta o documento, pedindo engajamento internacional urgente para mitigar mais sofrimento e evitar o colapso total. “Uma Mianmar mais estável e pacífica que prospera em uma economia legal, protege seus recursos humanos e naturais e investe na segurança e prosperidade de todo o seu povo também é do interesse de seus vizinhos e da comunidade internacional em geral.”
Explosão do mercado negro
Desde 2020, o produto interno bruto (PIB) de Mianmar contraiu 9%, revertendo o progresso econômico da década anterior.

A inflação atingiu 25,4% em 2024, corroendo ainda mais o poder de compra das famílias. O déficit comercial disparou para 2,2% do PIB, exacerbado por severas restrições ao comércio transfronteiriço, e a moeda despencou mais de 1.330 kyats por dólar americano em 2021 para 4.520 em 2025, tornando as importações inacessíveis e fazendo os preços dispararem .
A situação econômica piorou ainda mais quando o país foi colocado na lista de sanções do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) por não combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.
Nesse contexto, a economia ilícita de Mianmar está prosperando e o país se tornou o maior produtor mundial de ópio e heroína, além de um dos maiores fabricantes de metanfetaminas.
A indústria do jade, avaliada em bilhões de dólares anualmente, continua em grande parte desregulamentada, alimentando a corrupção e a degradação ambiental . Jogos de azar ilegais, tráfico de pessoas e operações fraudulentas floresceram ao longo das fronteiras porosas do país.
Sociedade em crise
O conflito em andamento em Mianmar deslocou mais de 3,5 milhões de pessoas dentro do país e levou muitas outras através de suas fronteiras. Pessoas deslocadas internamente (IDPs, na sigla em inglês) carecem de assistência e proteção vitais, e as comunidades anfitriãs estão sofrendo com os recursos escassos.
A fome está atingindo níveis catastróficos, e a produtividade agrícola caiu 16% desde 2021, em grande parte devido a conflitos e desastres relacionados ao clima.
Escassez de fertilizantes, preços de combustível em alta e interrupções comerciais elevaram o preço do arroz básico em 47% em algumas regiões. O estado ocidental de Rakhine é particularmente vulnerável, com a produção de alimentos projetada para atender apenas 20% das necessidades locais até meados de 2025, aumentando os temores de condições semelhantes à fome.
Os serviços públicos também são severamente afetados, com mais da metade do país sem acesso à eletricidade e hospitais fora de serviço em zonas de conflito.
Fuga de cérebros iminente
A terrível situação econômica e de segurança levou a um êxodo de jovens de Mianmar, com 3,7 milhões tendo migrado para a Tailândia até 2023. Muitos enfrentam exploração e trabalho forçado devido às restritivas vias legais de migração, enquanto aqueles que permanecem correm o risco de recrutamento forçado para o exército.
As taxas de matrícula escolar também caíram significativamente, pois o acesso a instalações educacionais foi interrompido por conflitos e dificuldades econômicas. No ano acadêmico de 2023/2024, mais de 20% das crianças não estavam frequentando a escola.
Crise ou oportunidade?
A perspectiva para Mianmar continua precária. Se as tendências atuais continuarem, a pobreza aumentará ainda mais, a migração se intensificará e a frágil economia do país lutará sob o peso do conflito contínuo e do isolamento internacional, alerta o relatório.
Apesar do agravamento da crise em Mianmar, existem oportunidades de recuperação.
O relatório destaca a resiliência das comunidades locais e o potencial das organizações da sociedade civil na reconstrução da coesão social. Envolver a diáspora por meio da educação e do desenvolvimento de habilidades pode ajudar a reter e atrair talentos, enquanto expandir as oportunidades para mulheres nos negócios e no emprego pode aumentar a renda familiar.
A revitalização agrícola, por meio de culturas resistentes ao clima e irrigação, é crucial para a segurança alimentar, enquanto o investimento na proteção ambiental – como reflorestamento e restauração de manguezais – pode proteger empregos no futuro.