Rebeldes de Mianmar expandem territórios no norte em meio a exercícios de fronteira chineses

Insurgentes afirmam ter tomado um posto militar na fronteira norte, enquanto forças chinesas conduzem exercícios do outro lado

Intensos combates em Mianmar entre as forças governamentais e insurgentes étnicos deslocaram dezenas de milhares de pessoas neste mês, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). A rebelião é o maior desafio para os militares birmaneses desde o golpe de Estado em 2021.

Encorajadas pela ofensiva no Norte, as milícias pró-democracia aumentam os ataques em outras partes do país. E a situação está deixando Beijing preocupada com a instabilidade e a possível entrada de refugiados em seu território, segundo informações da agência France24.

As forças da autodenominada Aliança das Três Irmandades – formada pelo Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MDNAA, da sigla em inglês), o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang (TNLA) e o Exército Arakan (AA) – anunciaram a conquista de diversas cidades e do portão fronteiriço Kyin-San-Kyawt, uma das principais zonas comerciais em Muse, município situado junto à China.

Grupo étnico armado de Mianmar destrói minas terrestres (Foto: Geneva Call/Flickr)

Na semana passada, um comboio de caminhões de mercadorias foi incendiado na mesma região após um ataque de drone, classificado pela junta como um “ataque terrorista”. No entanto, os rebeldes negaram qualquer envolvimento na ação.

A aliança insurgente anunciou que intensificaria suas operações na segunda-feira (27). Nos últimos meses, os rebeldes lançaram ataques coordenados para retomar territórios da junta militar e responder aos ataques aéreos e bombardeios.

Em comunicado, eles afirmaram: “Através de operações coordenadas, nossas forças tomaram postos militares da junta e colinas estratégicas, sacrificando sangue, suor e vidas para proteger os civis. Estamos avançando em direção aos nossos objetivos comuns, mantendo unidade e progresso passo a passo.”

Fronteira

Os militares de Mianmar prometeram restaurar a ordem, coordenando com a China para manter a estabilidade. Enquanto isso, as forças chinesas realizam exercícios de combate para testar sua prontidão na fronteira com o país do sudeste asiático.

A junta militar birmanesa está ciente desses exercícios. Em meio a isso, o TNLA atacou dois postos militares em Shan, resultando em confrontos em três locais.

Na semana passada, a ONU informou que 335 mil pessoas foram deslocadas devido aos combates desde a ofensiva rebelde, parte dos 2 milhões forçados a deixar suas casas desde o golpe de 2021.

Avanço rebelde

O regime militar que impera em Mianmar enfrenta atualmente seu maior desafio desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021. A manutenção do poder pela junta que governa o país está ameaçada devido aos recentes avanços obtidos por grupos rebeldes étnicos armados que lançaram uma ofensiva conjunta em outubro.

Segundo a agência Reuters, o presidente do Conselho de Administração do Estado, Myint Swe, afirmou em reunião do Conselho de Defesa e Segurança Nacional na metade deste mês, que o país corre o risco de “ser dividido em várias partes” caso o governo não consiga “gerir eficazmente os incidentes que acontecem na região fronteiriça.”

Em seus últimos avanços, os insurgentes conquistaram cerca de cem posições antes ocupadas pelos militares, assumindo o controle de armas e outros equipamentos militares que tendem a aumentar seu poder de fogo em confrontos futuros.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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