A guerra na Ucrânia aproximou Rússia e Coreia do Norte de maneira inédita, com consequências que ultrapassam o campo de batalha. Inicialmente vista como uma troca de curto prazo, novos indícios apontam para a construção de uma aliança de longo prazo com implicações estratégicas e ideológicas profundas. Essa é a avaliação de um estudo assinado pelo pesquisador Edward Howell, especialista em relações internacionais, publicado pelo think tank Chatham House.
Baseado em entrevistas com autoridades sul-coreanas e declarações de alto nível de Rússia, Coreia do Norte e China, o estudo mostra que a relação entre Moscou e Pyongyang começou com a troca de dinheiro por armas, mas evoluiu rapidamente. Então, em outubro de 2024, tropas norte-coreanas foram enviadas ao oeste da Rússia para combater na guerra da Ucrânia.
“Tais ações mostram que o relacionamento Coreia do Norte-Rússia evoluiu além do meramente transacional para se tornar uma parceria estratégica e ideológica de longo prazo. Como tal, a natureza desse relacionamento representa uma ameaça significativa à segurança regional e global”, destaca o autor.
O marco dessa transformação foi o tratado de “parceria estratégica abrangente”, assinado em junho de 2024 por Vladimir Putin e Kim Jong-un. O acordo prevê assistência mútua em caso de agressão externa e reforço da cooperação em áreas militares, tecnológicas e de segurança.
Meses depois, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) confirmou o envio de tropas norte-coreanas para o conflito, reforçando a aliança entre os dois países. Para a Rússia, a parceria oferece alívio imediato com o fornecimento de armas como mísseis e artilharia, inicialmente em troca de alimentos e ajuda financeira aos norte-coreanos. Contudo, os ganhos para Pyongyang são ainda mais significativos.
“Além do curto prazo, no entanto, a Coreia do Norte também deve receber assistência tecnológica e militar avançada da Rússia – cuja extensão, preocupantemente, permanece desconhecida – e já ganhou o apoio inabalável da Rússia no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas)”, afirma o estudo.
Essa cooperação atende aos objetivos centrais do regime de Kim Jong-un: a sobrevivência e o fortalecimento interno. O ditador norte-coreano acelera os programas nucleares e de mísseis enquanto utiliza avanços militares como propaganda para consolidar seu controle sobre a população. A parceria com Moscou também permite que Pyongyang evite o diálogo com Coreia do Sul e EUA sobre desarmamento, mostrando implicações globais que vão além da guerra na Ucrânia.
Assim, a colaboração Rússia-Coreia do Norte enfraquece instituições lideradas pelos EUA, como a ONU, dificultando a aplicação de sanções contra os dois regimes. Além disso, a possibilidade de Pyongyang usar tecnologia russa para provocações contra Seul e Washington eleva os riscos para a segurança regional.
Nesse contexto, Beijing é um elemento crucial. Apesar de ser a maior parceira comercial da Coreia do Norte, a China adota uma postura cautelosa diante da aproximação entre Pyongyang e Moscou. Embora apoie os dois países na oposição ao Ocidente, o governo chinês teme que essa aliança comprometa sua influência na Península Coreana.
Segundo o autor, entretanto, o desconforto chinês não é definitivo. Com a aproximação entre Moscou e Pyongyang, “a perspectiva de uma coordenação cada vez mais robusta e arraigada entre esses Estados não pode — e não deve — ser descartada”. Howell, então, conclui: “O futuro surgimento de um ‘triângulo estratégico’ entre Rússia, China e uma Coreia do Norte com capacidades nucleares cada vez mais robustas deve ser levado a sério.”