Na quinta-feira (23), o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, anunciou que solicitou mandados de prisão para dois altos membros do Taleban afegão, acusados de cometerem crimes contra a humanidade, especificamente pela repressão de mulheres e da comunidade LGBT no Afeganistão. Khan pediu aos juízes do tribunal que autorizassem mandados para Hibatullah Akhundzada, líder supremo do grupo, e Abdul Hakim Haqqani, chefe da Suprema Corte afegã. As informações são da Associated Press.
Em um comunicado, Khan destacou que a perseguição das mulheres, meninas e da comunidade LGBT pelo Taleban tem sido “sem precedentes, inconcebível e contínua.” O procurador também enfatizou que esses atos são uma violação grave dos direitos humanos, uma vez que, desde a retomada do controle do país em 2021, o Talibã tem imposto severas restrições sobre a liberdade das mulheres. Elas foram banidas de trabalhar em diversos setores, de frequentar espaços públicos e de continuar seus estudos além da sexta série. Recentemente, Akhundzada também emitiu uma proibição que impede a construção de janelas em prédios voltadas para locais onde mulheres possam permanecer, acentuando ainda mais o isolamento e a discriminação.
O governo talibã, até o momento, não se manifestou sobre o pedido de prisão.

Organizações de direitos humanos celebraram a ação do TPI, considerando a solicitação como um passo importante para responsabilizar os líderes talibãs. Liz Evenson, diretora de justiça internacional da Human Rights Watch (HRW), afirmou que as violações contra as mulheres e meninas afegãs se intensificaram com total impunidade, e que a falta de justiça no Afeganistão torna os pedidos de mandado essenciais para garantir alguma forma de responsabilização.
Este é o primeiro caso na história do TPI em que ataques à comunidade LGBT são reconhecidos como crimes contra a humanidade, marcando um avanço significativo na abordagem do tribunal em relação a crimes motivados por discriminação de gênero.
Em 2022, após a reabertura da investigação sobre o Afeganistão, Khan justificou sua decisão apontando que o Taleban impossibilitava investigações internas eficazes sobre as graves violações de direitos humanos cometidas no país. Anteriormente, a investigação havia sido arquivada, após o governo de Cabul alegar que poderia tratar dos crimes de forma interna.
No entanto, a decisão de focar apenas nos crimes cometidos pelo Taleban e seu aliado, o Estado Islâmico (EI) no Afeganistão, gerou críticas por parte de grupos de direitos humanos, que esperavam uma abordagem mais abrangente, incluindo também crimes cometidos pelas forças militares dos Estados Unidos. A ex-procuradora do TPI, Fatou Bensouda, havia solicitado, em 2020, a investigação de crimes cometidos por diversas partes envolvidas no conflito, incluindo o governo afegão, o Taleban, forças americanas e agentes de inteligência dos EUA desde 2002.
A decisão de investigar ações dos Estados Unidos provocou sanções do governo Trump contra Bensouda, cujo mandato se encerrou em 2021.
Não há um prazo específico para a decisão dos juízes sobre os mandados, mas historicamente, esses pedidos podem levar entre três e seis meses para serem processados. Em 2023, o TPI levou três semanas para emitir um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, enquanto a decisão sobre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, demorou seis meses.
Misoginia
Desde o colapso do governo afegão, a repressão contra mulheres e meninas tem sido marca do Taleban. Elas não podem estudar, trabalhar ou sair de casa desacompanhadas de um homem. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã. E foram relatados casos de solteiras ou viúvas forçadas a se casar com combatentes.
Em 2023, os radicais proibiram inclusive o trabalho das mulheres afegãs em organizações não governamentais e na ONU (Organização das Nações Unidas), o que levou muitas dessas entidades a suspenderem a ajuda humanitária que ofereciam à população do Afeganistão, uma das mais necessitadas de tal suporte em todo o mundo.
A Anistia Internacional celebrou o anúncio do TPI, considerando-o um passo crucial para responsabilizar aqueles envolvidos na repressão das mulheres e da comunidade LGBTQI+ no Afeganistão. A organização destacou que esse desenvolvimento oferece esperança às vítimas de perseguição e chamou a comunidade internacional a reconhecer o apartheid de gênero como um crime sob o direito internacional, a fim de combater regimes de opressão e dominação sistemáticas baseadas no gênero.