Visitas de autoridades chinesas a Mianmar semeiam influência, mas podem prejudicar interesses

Presença de autoridades chinesas em Naipidau parece ser uma tentativa de frear a influência dos EUA, porém, lideranças pró democracia alertam que apoio à junta é um erro de cálculo de Beijing

Uma série de visitas recentes feitas a Mianmar por altos funcionários do governo da China parece ser parte de um esforço para conter o aumento da influência dos Estados Unidos na nação abalada por um golpe de Estado há dois anos. Diante desse cenário, líderes rebeldes birmaneses alertam que o apoio à junta que destituiu o governo democrático é um erro de cálculo, já que a permanência dos militares no poder representa a continuidade da instabilidade. As informações são da rede Radio Free Asia.

A China tem uma longa história de investimentos e interesses econômicos em Mianmar, incluindo projetos de infraestrutura, mineração, energia e comércio. Além disso, o país do Sudeste Asiático é um importante ponto de acesso à região do Oceano Índico, tornando-o um local estratégico para a iniciativa da Nova Rota da Seda. Nos quase 27 meses desde que os militares deram um golpe de Estado, Beijing tem sido o aliado mais leal de Naipidau.

No entanto, os EUA também têm interesses em Mianmar, especialmente em relação à segurança regional. Porém, tem se colocado no lado oposto ao da junta militar. O governo Joe Biden vem expressando apoio aos protestos pró-democracia após o golpe em fevereiro de 2021 e impôs sanções contra os líderes militares do país.

Min Aung Hlaing, general à frente do governo em Mianmar: crimes (Foto: Divulgação/Vadim Savitsky)

Em dezembro, Biden assinou a Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA), o enorme projeto de lei de gastos com defesa do Departamento de Defesa dos EUA que inclui a Lei da Birmânia. Washington dedicou US$ 50 milhões por ano para as atividades democráticas de Mianmar, verba alocada por cinco anos, e incluiu US$ 220 milhões em ajuda humanitária para o ano fiscal de 2023. Naipidau receberá ajuda de 2023 a 2027.

A lei norte-americana prevê ajuda a organizações que lutam pela democracia, o que inclui o movimento de resistência autodenominado Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar os militares no poder desde o golpe. Também são beneficiados a Força de Defesa do Povo (PDF, na sigla em inglês), grupo armado contra o governo encabeçado pelo general Min Aung Hlaing, e vários exércitos étnicos.

Se por um lado a comunidade internacional se distanciou do general Min Aung Hlaing, retirando investimentos do país, condenando a violenta repressão praticada por ele a seus oponentes, o chefe da junta tem o apoio de Beijing e de investidores chineses. E esses laços comerciais seguem estreitos, alheios às sanções internacionais impostas ao regime.

“A China aumentou suas negociações com a junta militar”, disse um especialista em assuntos da China, que falou sob condição de anonimato. “Parece-me que a China está preocupada com o NDAA e a Lei da Birmânia dos Estados Unidos. É por isso que tentou manter sua influência tendo mais relações com os líderes militares”.

Na última visita chinesa de destaque, Peng Xiubin, diretor do Departamento de Ligação Internacional do Partido Comunista Chinês (PCC), esteve em Naipidau no dia 16 de abril, ocasião em que teve agenda com o ex-líder da junta Than Shwe, que governou Mianmar de 1992 a 2011, e Thein Sein, o presidente do governo quase civil do país de 2011 a 2016. O encontro foi secreto.

Após tal reunião, houve rumores de que, logo após a visita da autoridade chinesa, Min Aung Hlaing se reuniu com os dois ex-líderes para discutir a situação política no país.

Disputa por influência

Na visão de Thein Tun Oo, diretor executivo do Instituto Thayninga de Estudos Estratégicos, formado por ex-oficiais militares, o aumento de encontros entre a junta e autoridades chinesas sugere uma tentativa de Beijing de “equilibrar a influência dos EUA” na região.

“Os EUA não são mais o único país que influencia o mundo”, disse ele. “Entre essas mudanças na política mundial, Mianmar e China, que compartilham uma fronteira muito longa, precisam cooperar mais estreitamente. O ponto principal é o de que as relações China-Mianmar continuarão a se desenvolver com base nisso”, disse ele.

Entre os megaprojetos financiados pela China em Mianmar estão o planejamento urbano da cidade de Nova Yangon, o Projeto de Energia Mee Lin Gyaing, na região de Ayeyarwady, a Mina de Cobre Letpadaung, na região de Sagaing, e o porto marítimo profundo de Kyauk Phyu.

“Vejo a China cooperando com a junta militar apenas para continuar a manter, implementar e expandir seus interesses econômicos em Mianmar, como o projeto estratégico do porto marítimo profundo Kyauk Phyu, que é uma oferta de Beijing para obter acesso ao Oceano Índico”, analisou Than Soe Naing, um analista político.

Para ele, as relações de Beijing com a junta estão vinculadas aos interesses estratégicos chineses.

Apoio de longa data

Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, através da agência de notícias estatal Xinhua.

O governo chinês também se coloca frequentemente ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. Essa posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, quando a China se absteve de votar em uma resolução histórica do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro com 12 votos a favor. Ela exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

A China é ainda um dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia, o Paquistão e a Sérvia.

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