Jogos Olímpicos de Paris começam sob ameaça do terrorismo islâmico e da Rússia

Governo francês adota medidas de segurança radicais para evitar ações do Estado Islâmico e da Al-Qaeda e age também contra eventuais represálias de Moscou

Na sexta-feira (25), a partir das 14h30, acontece a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Paris 2024. Quebrando a tradição de realizar o evento dentro de um estádio, a França optou por uma festa nas ruas, às margens do rio Sena. Uma oportunidade para mostrar ao mundo as belezas da “Cidade Luz”, mas também um chamariz para aqueles que têm interesse em sabotar a maior festa do esporte.

As medidas de segurança voltadas aos Jogos estão em vigor desde bem antes da abertura. A maior preocupação dos organizadores é com grupos extremistas islâmicos, sobretudo o Estado Islâmico (EI), mas também a Al-Qaeda, que sempre tiveram na França um alvo preferencial.

Em junho, um relatório da empresa de segurança cibernética Recorded Future afirmou que apoiadores das duas facções na Europa planejam “quase certamente atacar os Jogos Olímpicos com ações terroristas.”

Advertência semelhante fez o pesquisador Colin P. Clarke, em artigo do think tank Foreign Policy Research Institute. Em dezembro de 2023, ele disse que o evento esportivo é “um alvo altamente visível e simbólico para terroristas, incluindo aqueles que procuram dominar tecnologias emergentes como drones e armas impressas em 3D, para conduzir ataques.”

Os anéis olímpicos e a Torre Eiffel ao fundo, em Paris, setembro de 2017 (Foto: Anne Jea/WikiCommons)

Claude Moniquet, ex-agente da inteligência estrangeira da França e hoje chefe do Centro Europeu de Inteligência e Segurança Estratégica, avalia que, entre as organizações extremistas islâmicas, a ameaça principal é o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), classificado por ele como “ramo mais perigoso” do grupo.

O analista disse à revista Newsweek que o EI-K tem “os meios e a vontade de atacar, mesmo em um contexto difícil, com seus líderes certamente com a intenção de assumir a liderança de todo o movimento.” E comparou o atual nível de alerta na França ao de 2015, quando 131 pessoas morreram e mais de 400 se feriram em uma série de ataques na capital do país.

A preocupação com a segurança dos Jogos se justificou já na passagem da tocha olímpica pela cidade de Bordeaux, em maio, quando um homem foi preso suspeito de planejar um ataque ao evento.

Na oportunidade, promotores franceses informaram que o suspeito havia publicado “uma mensagem perturbadora” que “poderia corresponder à glorificação do crime”. Além disso, ele teria feito referência a um assassinato em massa anterior ocorrido nos EUA, o que aumentou a preocupação das autoridades.

Um analista ouvido pela Newsweek, que por segurança pediu anonimato, destacou uma motivação extraordinária para os terroristas. Embora tenham ameaçado atacar vários eventos esportivos, como a Liga dos Campeões, torneio de futebol de clubes europeus, e a recente Copa do Mundo T20, evento esportivo de críquete sediado em Nova York, não houve ação relevante.

“Ameaças a locais esportivos são uma ameaça emergente. Isso ganhou muita atenção e reações entre os apoiadores online [do EI], impulsionando o alcance dos esforços para recrutas em potencial em países ocidentais”, disse o especialista. “Os Jogos Olímpicos representam um último evento que os jihadistas podem explorar para realizar ataques, sendo que, de outra forma, perderiam uma grande oportunidade”

Medidas antiterrorismo

Não é de agora que Jogos Olímpicos são alvo de extremistas. Mesmo o Brasil, que tem sido poupado por essas organizações, sofreu com o problema. Em 2016, duas semanas antes do início das competições no Rio de Janeiro, a Polícia Federal (PF) prendeu um grupo que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972, quando o grupo Setembro Negro sequestrou e matou atletas israelenses.

Para evitar cenário semelhante, ainda mais com a guerra em curso no Oriente Médio e a tensão elevada entre árabes e judeus, a França adotou medidas preventivas e colocou 155 pessoas sob vigilância, segundo a agência Reuters. São muçulmanos que tiveram seus movimentos rigorosamente limitados, sendo proibidos de se aproximar da capital francesa e obrigados a se apresentar diariamente em delegacias de polícia.

Embora o governo afirme que as medidas atingem apenas indivíduos classificados como “muito perigosos” e sentenciados pela Justiça, cidadãos que jamais sofreram qualquer acusação criminal também tiveram a liberdade restrita. O ministro do Interior Gerald Darmanin diz se tratar de medida “excepcional”, aplicada quando é possível demonstrar a um juiz que o suspeito representa um risco real.

Outra medida adotada pelo governo francês para combater ameaças extremistas é o uso de um sistema de vigilância com aplicação de inteligência artificial. O jornal Le Monde afirma que serão usadas até 300 câmeras “inteligentes”, guiadas por algoritmos, para identificar comportamentos previamente estabelecidos e considerados suspeitos.

Mesmo com todas essas ferramentas à disposição das autoridades, Moniquet entende que há buracos na segurança. “Cerca de 20 mil pessoas estão nos arquivos de inteligência sobre radicalização terrorista, e cerca de cinco mil aparecem no ‘topo do espectro’, ou seja, propensas a realizar um ato”, disse. “Porém, nossos recursos não nos permitem monitorar completamente mais de 500 pessoas simultaneamente.”

Polícia francesa em ação nas ruas de Paris (Foto: Flickr)
A ameaça russa

Outro problema de segurança considerado relevante por analistas é a Rússia. A França assumiu nos últimos meses papel de liderança no apoio ocidental à Ucrânia na guerra que trava contra os russos, e o governo francês suspeita que agentes a serviço de Moscou tenham conduzido atos de sabotagem e desinformação no país recentemente.

Em junho, cinco caixões foram colocados nas proximidades da Torre Eiffel, todos enrolados na bandeira da França e com o texto “soldados franceses na Ucrânia“. O governo francês, que prendeu três pessoas acusadas de envolvimento com a ação, suspeita que ela tenha sido orquestrada pela Rússia após Paris cogitar enviar militares ao território ucraniano.

Outros episódios atribuídos a Moscou ocorreram anteriormente. Em outubro de 2023, pouco após os ataques do Hamas contra Israel, muros parisienses amanheceram com a Estrela de David pintada, uma referência à bandeira israelense. Em maio deste ano, um monumento em memória das vítimas do Holocausto foi pintado com mãos vermelhas.

Em todos esses casos, os investigadores acreditam que o Kremlin age na tentativa de colocar os cidadãos franceses contra o próprio governo, um tipo de operação que pode se ampliar durante os Jogos. Também pesa para a irritação russa a exclusão de seus atletas do evento esportivo, sob a acusação de que o país orquestrou um sofisticado esquema de doping, mas também como punição pela agressão à Ucrânia.

Em Paris 2024, não apenas os atletas russos, mas também os belarussos, serão proibidos de competir sob a bandeira de seus países e de comparecer à cerimônia de abertura. Os que participarem do evento serão considerados neutros, impedidos de usar as cores dessas nações e de fazer manifestações políticas em seus perfis nas redes sociais. Assim, a Rússia, segunda maior ganhadora de medalhas na história, terá somente 15 representantes.

Para o presidente Vladimir Putin, que usa o esporte como arma de propaganda, a ausência de seus atletas é motivo para represálias. De acordo com o jornal Financial Times, a Microsoft já alertou que influenciadores russos iniciaram uma campanha de difamação contra o COI (Comitê Olímpico Internacional), disseminando ainda a ideia de que os Jogos não serão seguros.

Paralelamente, Moscou tende a conduzir ataques cibernéticos, usando grupos de hackers patrocinados pelo Estado. O relatório da Recorded Future fez tal advertência em junho, destacando o risco de ataques do tipo ransomware, no qual sistemas são invadidos e sequestrados, com os dados liberados novamente apenas em troca de grandes quantias em dinheiro.

Outro risco são ataques phishing, nos quais os cibercriminosos enviam mensagens falsas que, quando abertas, fornecem aos invasores acesso ao sistema usado pelo destinatário. Aqui, os alvos seriam empresas e participantes dos Jogos, sendo necessário que os organizadores “priorizem a correção de vulnerabilidades de alto risco.”

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