Crimeia é crucial para Moscou em sua rota para vender grãos roubados na Ucrânia

Fotos de satélite, dados de transporte de cargas e depoimentos indicam que Moscou armou um grande esquema para faturar com a pilhagem

Nas últimas semanas, amplificou-se a denúncia de que a Rússia tem roubado a produção de grãos da Ucrânia para revender no exterior. Uma investigação conduzida pela rede britânica BBC aponta indícios dessa irregularidade, que foram obtidos através de fotos de satélite, dados de transporte marítimo e depoimentos pessoais.

No começo desta semana, a União Europeia (UE) acusou Moscou de “usar os alimentos como arma na sua guerra contra a Ucrânia”, citando o roubo de grãos. “O Conselho Europeu insta a Rússia a deixar imediatamente de visar instalações agrícolas e de subtrair cereais, e a desbloquear o Mar Negro, em especial o porto de Odessa, a fim de permitir a exportação de cereais e as operações de transporte marítimo comercial”.

Segundo a investigação da BBC, os principais destinos dos grãos ucranianos roubados e negociados por Moscou seriam a Síria e a Turquia. O ministro turco das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, diz que investigou essas alegações e não achou nenhum indício de irregularidade. “Vimos nos registros que o porto de partida dos navios e a origem das mercadorias é a Rússia”, disse ele.

Entretanto, o argumento de Cavusoglu desconsidera a estratégia russa de usar como ponto central da rota de pilhagem a Crimeia, região ucraniana anexada à força por Moscou em 2014.

“Eles primeiro levam grãos para a Crimeia anexada, onde os transportam para Kerch ou Sebastopol [portos], depois carregam grãos ucranianos em navios russos e vão para o Estreito de Kerch”, diz Andrii Klymenko, especialista do Instituto de Estudos Estratégicos do Mar Negro em Kiev, que monitora regularmente os movimentos de navios ao redor da Crimeia.

Porto de Odessa, de onde habitualmente saem as cargas de grãos que a Ucrânia exporte (Foto: Wikimedia Commons)

Mais de 200 agricultores ucranianos cujas terras agora estão em território ocupado foram questionados. Um que se dispôs a falar foi Dmytro, cujo nome real foi omitido por questões de segurança. Ele confirmou que seu negócio caiu em mãos russas. “Eles roubaram nossos grãos, destruíram nossas instalações e destruíram nosso equipamento”, afirmou.

A acusação foi checada e comprovada através de vídeos de um sistema interno de câmeras que registrou o momento em que tropas russas chegaram à fazenda dele em veículos blindados. Um soldado fez um disparo na tentativa de destruir a câmera de vigilância, mas errou o alvo.

Como alguns dos caminhões roubados pelos russos na fazenda tinham localizado GPS, foi possível constatar que eles seguiram até o sul da Crimeia, onde pararam perto de um local usado para armazenamento de carga na cidade de Oktyabrske. Aí entram as imagens de satélite, que no dia 14 de junho mostram uma incomum fila de caminhões no local.

As imagens, fornecidas pela empresa Maxar, mostram não apenas os caminhões parados na estrada, mas uma linha ferroviária que poderia ser usada transportar os grãos de trem, a estação de carga e os silos usados para armazenar grãos.

A intensa atividade no porto de Sebastopol, igualmente verificada através das imagens de satélite, reforça as suspeitas. Ao comparar com o mesmo período do ano passado, fica claro que o movimento em junho de 2022 foi elevado. Mais um ponto: “A Crimeia não produz muitos grãos para exportação”, diz Mariia Bogonos, especialista em política agrícola da Escola de Economia de Kiev.

Outra situação atividade suspeita é a de navios de carga que desligam os rastreadores em determinados pontos do trajeto. Isso foi verificado em nove embarcações investigadas, o que sugere a intenção dos capitães de não revelar a rota na íntegra. A suspeita é de que, no trajeto entre os portos de origem, na Rússia, e os de destino, na Turquia e na Síria, eles tenham parado para receber grãos roubados.

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