Conheça as linhas-mestras da ‘Doutrina Biden’ para as instituições globais

O presidente eleito deve retornar a acordos e instituições dispensados pelo atual mandatário, Donald Trump

Após quatro anos de políticas que optavam pelo isolacionismo em relação às organizações multilaterais, o governo do democrata Joe Biden promete uma reversão. Espera-se o retorno a acordos como o de Paris, de 2015, que regula as ações contra mudanças climáticas.

Um maior confiança no multilateralismo deve ser a marca do governo e da política externa de Joe Biden, que começa em 2021, sobretudo na comparação com os quatro anos de Donald Trump.

O perfil de Biden é mais conciliador que o de seu antecessor. A previsão é a de que o novo governo buscará parcerias com aliados tradicionais de Washington e marcar posição para que os EUA participem da construção de uma governança global para este século.

O atual presidente, que deixa o cargo em 21 de janeiro, optou por menor participação e intenso questionamento na relação com instituições que vão da Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte) aos órgãos do sistema das Nações Unidas.

Conheça as linhas-mestras da 'Doutrina Biden' para as instituições globais
O democrata Joe Biden no início da campanha eleitoral, em Iowa, janeiro de 2020 (Foto: CreativeCommons/Gage Skidmore)

Para Stewart M. Patrick, pesquisador do think tank norte-americano CFR (Council for Foreign Relations), a guinada do novo governo em matéria de política externa será imediata.

“Embora os EUA já tenham oscilado entre ciclos de internacionalismo e isolacionismo antes, nunca executaram uma dupla reversão tão rápida e dramática”, afirmou, em coluna no portal World Politics Review.

Saiba o que vem por aí, de acordo com analistas e com as promessas do próprio Biden, que detalhou os principais pilares de sua política externa em um artigo em março deste ano na tradicional revista de relações internacionais “Foreign Affairs“.

Acordo do Clima

No artigo da “Foreign Affairs”, Biden promete retornar ao pacto do clima “no primeiro dia do governo”. “Os EUA precisam guiar o mundo na ameaça existencial que enfrentamos: a mudança climática. Se não fizermos isso, nada mais vai importar”, afirma.

O então candidato prometeu zerar as emissões de carbono norte-americanas, hoje no segundo lugar do ranking de emissões, até 2050. O plano seria convocar uma convenção global do clima, com presença chinesa, no primeiro ano de governo.

Dali, as principais lideranças determinariam metas de redução para os setores de logística e aviação, além dos subsídios chineses para a indústria de carvão.

A prática financia a exportação do produto e mira sobretudo as obras de infraestrutura da iniciativa de investimentos chineses batizada de Cinturão e Rota, espalhadas pela Ásia e Europa.

Armamento nuclear

O atual acordo de contenção para as potências nucleares, START (do inglês Tratado Estratégico de Redução de Armas), inclui EUA e Rússia e termina em fevereiro de 2021.

A principal exigência do governo Trump é a participação chinesa, argumentando que, sem Beijing, o acordo tem pouca relevância na atual ordem internacional.

O pacto pode ser estendido por mais cinco anos. O objetivo de Biden seria manter o START, mas negociar ao mesmo tempo um novo entendimento – menos atrelado a uma configuração global do imediato pós-Guerra Fria.

Sua meta é a redução do número de ogivas, afirmou no artigo de março. “Acredito que o único propósito de um arsenal nuclear dos EUA seria deter – ou, se necessário, retaliar – um ataque nuclear.”

Segundo analistas que conversaram com a Radio Free Europe, espera-se que a questão dos armamentos seja uma das poucas onde pode haver avanços significativos entre EUA e Rússia em um governo Biden.

Sistema ONU (Organização das Nações Unidas)

Em uma perspectiva mais imediata, a mudança de governo nos EUA pode mudar o jogo por trás da escolha da nova diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio).

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A ex-diretora do Banco Mundial Ngozi Okonjo Iweala em evento em Londres, em janeiro deste ano (Foto: Wikimedia Commons)

Washington vinha bloqueando a nomeação da nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, apoiada por UE (União Europeia), China e a maioria dos países da África. Os EUA, até o momento, apoiam a candidata sul-coreana e ex-ministra do Comércio do país, Yoo Myung-hee.

A entidade perdeu relevância nos últimos anos, após bloqueios dos EUA no órgão de apelação, que media de conflitos comerciais entre os países. Os problemas entre o órgão e Washington antecedem o governo Trump, mas a desidratação sistemática da OMC ganha força a partir de 2017.

Em dezembro de 2019, o órgão foi na prática paralisado quando os EUA vetaram a renovação do mandato de dois juízes do sistema de arbitragem. A meta norte-americana era garantir que as disputas comerciais fossem resolvidas em acordos bilaterais, já que havia o entendimento de que Washington vinha perdendo demandas com alguma frequência.

Na OMS (Organização Mundial da Saúde), nos holofotes desde o início da pandemia do novo coronavírus, a expectativa é a de que Biden suspenda a saída norte-americana anunciada pelo atual governo. Em tese, os EUA permanecem até 6 de julho de 2021.

Em suas promessas de campanha, o presidente eleito defendia o fortalecimento da entidade. Na avaliação de Patrick, do CFR, as possibilidades incluem aumentar recursos para detectar e lidar com novas pandemias, além de mecanismos de governança internacional na área de saúde e normas globais mais abrangentes.

Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)

Para Biden, as tratativas com membros da Otan são “um compromisso sagrado, não transacional. A Otan é o coração da segurança nacional dos EUA e o pilar do ideal liberal democrático”, diz o artigo. O objetivo seria manter a proteção da Europa contra a Rússia, que “teme uma Otan forte”.

Além do óbvio objetivo de segurança, a Otan seria uma ferramenta para garantir o modelo democrático em seus países membros. Os principais motivos de preocupação são a Hungria e a Polônia, em evidente deterioração democrática e alvos também de alertas da UE.

O atual presidente, Trump, afirmou ainda em 2016 que a aliança era “obsoleta”. Ao longo do governo, pressionou para que aliados aumentassem sua parcela de contribuição com o organismo de segurança internacional.

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