Diplomacia é única alternativa para solucionar atritos entre Rússia e Ucrânia, diz ONU

Conselho de Segurança da ONU faz primeira reunião para abordar a tensão na Europa e cita os prejuízos de um conflito armado

Após semanas de tensões crescentes em torno da Ucrânia, com relatos de que a Rússia teria enviado mais de 100 mil soldados e armas pesadas para regiões fronteiriças, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) realizou na segunda-feira (31) sua primeira reunião para discutir maneiras de diminuir a crise. De acordo com o secretário-geral, António Guterres, “não pode haver alternativa à diplomacia e ao diálogo”.

Destacando as “preocupações de segurança complexas e de longa data e as percepções de ameaças que foram levantadas”, a subsecretária-geral para assuntos políticos e de consolidação da paz, Rosemary A. DiCarlo, repetiu que deve ser evitada qualquer intervenção militar envolvendo a Rússia ou forças da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), agora também em alerta máximo.

DiCarlo disse que qualquer incursão de um Estado no território de outro seria contra o direito internacional e a Carta das Nações Unidas. Segundo ela, é relatado que, além dos cem mil soldados em solo russo ao longo da fronteira da Ucrânia, números não especificados de tropas e armamentos russos também estão sendo enviados para Belarus antes de exercícios militares conjuntos em larga escala em fevereiro nas fronteiras com a Ucrânia, Polônia e os Estados Bálticos.

Os membros da Otan também estão planejando desdobramentos adicionais nos Estados-Membros da Europa Oriental, e a aliança informou que 8,5 mil soldados estão agora em alerta máximo.

Oficiais do Serviço de Segurança da Ucrânia (Foto: WikiCommons)

“Acusações e recriminações entre os vários atores envolvidos nas discussões em andamento criaram incerteza e apreensão para muitos de que um confronto militar é iminente”, disse DiCarlo, que também saudou as discussões diplomáticas em andamento, dizendo que a ONU espera que uma desescalada bem-sucedida fortaleça a paz e a segurança na Europa.

Esses esforços incluem uma reunião de 13 de janeiro em Viena, realizada pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e uma reunião de 21 de janeiro entre o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em Genebra.

Em 26 de janeiro, foi realizado em Paris um encontro no formato Normandia (grupo com França, Alemanha, Rússia e Ucrânia criado em 2014 para tratar do conflito na Ucrânia). Outra reunião do gênero está programada para ocorrer em Berlim na segunda semana de fevereiro.

Para a chefe política da ONU, este segundo encontro é “mais um sinal de que a diplomacia pode funcionar”. “Ainda assim, continuamos muito preocupados que, mesmo com esses esforços, as tensões continuem aumentando em meio a um perigoso acúmulo militar no coração da Europa”, alertou ela.

DiCarlo pediu a todos os atores “que se abstenham de retórica e ações provocativas para maximizar a chance de sucesso da diplomacia”. Também disse que as agências da ONU continuarão comprometidas em cumprir seus mandatos na Ucrânia.

“O acesso humanitário seguro e desimpedido deve ser respeitado, em qualquer circunstância, para prestar apoio às 2,9 milhões de pessoas que necessitam de assistência, a maioria em áreas não controladas pelo governo”, disse.

Conflito em Donbass

A Missão de Monitoramento de Direitos Humanos da ONU também continua a documentar vítimas civis, já que o conflito no leste ucraniano, onde separatistas apoiados pela Rússia combatem as forças de Kiev, entra em seu oitavo ano.

O conflito, que eclodiu logo após a Rússia anexar a Crimeia em março de 2014, custou a vida de mais de 14 mil pessoas, incluindo cerca de 3 mil civis, e feriu mais de 7 mil civis, segundo o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Além disso, cerca de 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas internamente desde o início do conflito, segundo o governo ucraniano.

“Ninguém está assistindo aos atuais esforços diplomáticos mais do que o povo da Ucrânia”, disse DiCarlo, observando que eles “suportaram um conflito que já matou mais de 14 mil pessoas desde 2014 e que, tragicamente, ainda está longe de ser resolvido”. Para ela, “é dolorosamente óbvio que qualquer nova escalada dentro ou ao redor da Ucrânia significaria mais mortes e destruição desnecessárias”.

DiCarlo também acredita que “qualquer escalada ou novo conflito seria outro golpe sério na arquitetura tão meticulosamente construída nos últimos 75 anos para manter a paz e a segurança internacionais”.

1ª Divisão Blindada das Forças Armadas da Rússia durante exercício de travessia de água (Foto: Ministry of Defence of the Russian Federation/Divulgação)

Decisivos, rápidos e unidos

Dirigindo-se ao Conselho, a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, descreveu a situação como “urgente e perigosa”, declarando que “os riscos não poderiam ser maiores”. “[É] uma ameaça tão clara e consequente à paz e segurança quanto qualquer um poderia imaginar”, disse ela.

Segundo Thomas-Greenfield, as ações da Rússia “não apenas ameaçam a Ucrânia, mas também a Europa e a ordem internacional”. “Se a Rússia invadir ainda mais a Ucrânia, nenhum de nós será capaz de dizer que não vimos isso chegando. E as consequências serão horríveis, por isso esta reunião é tão importante”, acrescentou.

Observando a “maior mobilização de tropas na Europa em décadas”, Thomas-Greenfield disse que continua esperando que a Rússia escolha o caminho da diplomacia, mas argumentou que a comunidade internacional “não pode esperar para ver”.

A embaixadora concluiu dizendo que “a diplomacia não terá sucesso num ambiente de ameaça e escalada militar”. E prosseguiu: “Buscamos o caminho da paz. Buscamos o caminho do diálogo. Não queremos confronto. Mas seremos decisivos, rápidos e unidos caso a Rússia invada ainda mais a Ucrânia”, disse ela.

“Incitar a histeria”

O embaixador da Rússia, Vasily Nebenzia, negou mais uma vez que seu país tenha planos de invadir a Ucrânia, acusando os EUA de convocar a reunião para “incitar a histeria”. E acrescentou: “Nós simplesmente não entendemos o que estamos discutindo aqui hoje e por que estamos de fato aqui”, disse Nebenzia.

No início da reunião, a Rússia pediu uma votação processual para arquivar a reunião sobre a Ucrânia, mas não obteve apoio suficiente de outros membros do Conselho.

O embaixador Nebenzia questionou o número de cem mil soldados, acrescentando que todos os desdobramentos ocorreram dentro do território russo, o que já aconteceu com frequência antes, em graus variados, “e não causou nenhum tipo de histeria”.

“Não há provas para confirmar essas acusações graves” de um movimento em direção à guerra, disse ele, acrescentando que elas constituem “uma provocação em si” e “o impacto econômico já está sendo sentido pelos vizinhos ucranianos”.

O diplomata também acusou as potências ocidentais de “bombardear a Ucrânia de armas”. “Você está esperando que aconteça, como se quisesse que suas palavras se tornassem realidade”, acrescentou.

“Não nos curvaremos”

O representante permanente ucraniano no órgão, Sergiy Kyslytsya, argumentou que “uma conversa séria” dentro do Conselho de Segurança, para encontrar um fim diplomático para a crise, era necessária agora, “mais do que nunca”.

Ele informou que, desde 22 de dezembro, tiroteios, bombardeios, tiros de franco-atiradores e uso sistemático de veículos aéreos não tripulados (UAVs, na sigla em inglêrs) de ataque contra tropas ucranianas mataram 12 militares ucranianos e feriram outros 14.

Kyslytsya assegurou que “a Ucrânia não lançará uma ofensiva militar, nem em Donbass, nem na Crimeia, nem em nenhum outro lugar”. “A Ucrânia não vê alternativa à resolução pacífica do conflito em curso e à restauração da sua soberania e integridade territorial”, acrescentou.

No entanto, o diplomata disse que há “um aumento nas campanhas de desinformação russas, incluindo falsas acusações de que a Ucrânia está planejando um ataque militar”.

Kyslytsya também abordou a exigência russa de que a Ucrânia seja impedida de se tornar membro da Otan, observando o direito soberano de seu país de escolher seus próprios arranjos de segurança.

“A Ucrânia não se curvará a ameaças destinadas a enfraquecer a Ucrânia, minar sua estabilidade econômica e financeira e incitar a frustração pública. Isso não vai acontecer, e o Kremlin deve lembrar que a Ucrânia está pronta para se defender”, concluiu.

Conteúdo adaptado do material publicado originalmente em inglês pela ONU News

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