Este artigo foi publicado originalmente em inglês no Center for European Policy Analysis (CEPA)
Por Elena Davlikanova
Durante seu discurso em Bruxelas em 17 de outubro, o presidente ucraniano expressou o que muitos ucranianos estão pensando — que na guerra por sua existência, a Ucrânia agora tem uma escolha entre ser membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ou fabricar armas nucleares.
Está longe de ser uma ameaça ociosa, como a maioria dos governos da Otan saberá. A Ucrânia não só tem extensas instalações e suprimentos nucleares civis, como também tem considerável expertise na fabricação de armas nucleares. Um alto funcionário ucraniano citado pelo Bild teria dito no início deste ano que: “Temos o material, temos o conhecimento. Se houver um pedido, precisaremos de apenas algumas semanas até [produzirmos] a primeira bomba.”
A declaração ucraniana foi feita em meio a uma reação morna ao Plano de Vitória de Zelensky, lançado em outubro, ao fornecimento pouco certo de ajuda militar após as eleições americanas de novembro e aos contínuos avanços russos no campo de batalha.
Embora Zelensky tenha transmitido essa mensagem anteriormente durante uma reunião com o ex-presidente Trump, ele também esclareceu que a Ucrânia não tem planos atuais de buscar armas nucleares. O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia até teve que emitir uma declaração afirmando que Kiev não tem planos de desenvolver armas de destruição em massa e continua comprometida com a não proliferação nuclear.
No entanto, as observações do presidente destacam os medos ucranianos e uma gama cada vez menor de opções. O Memorando de Budapeste de 1994 deveria fornecer à Ucrânia uma garantia de segurança eficaz. Sob esse acordo, a Ucrânia acreditava ter recebido promessas de segurança de EUA, Reino Unido e Rússia em troca da rendição do terceiro maior arsenal nuclear do mundo então em seu território. Parecia um arranjo plausível para um país jovem que precisava de ajuda financeira e reconhecimento internacional. Como sabemos, foi desrespeitado pela Rússia e acabou sendo uma aspiração dos EUA e do Reino Unido em vez de um compromisso.
Vladimir Putin descartou a declaração ucraniana como uma provocação perigosa, alertando sobre uma resposta apropriada. Ele também admitiu que construir armas nucleares não era difícil, mas questionou a capacidade da Ucrânia de fazê-lo nas condições atuais. Parece que a tendência do Kremlin de subestimar os ucranianos continua difícil de abalar.
Então a ameaça ucraniana é viável? O especialista militar Oleg Zhdanov argumenta que a Ucrânia tem a “base científica, industrial e de matéria-prima” para buscar independentemente capacidades nucleares para desenvolver armas nucleares táticas e estratégicas. Dada sua história como parte integrante do programa nuclear da URSS (União das repúblicas socialistas Soviéticas), a Ucrânia tem nove locais de resíduos nucleares contendo 42 milhões de toneladas de resíduos radioativos e várias bases de unidades de mísseis abandonadas .
A Ucrânia soviética projetou e produziu mísseis capazes de transportar ogivas nucleares, um projeto liderado na fábrica de Pivdenmash sob a liderança do então diretor e depois segundo presidente da Ucrânia, Leonid Kuchma. Os sistemas de orientação foram desenvolvidos em Kharkiv, atualmente bombardeada quase diariamente. Mas a Rússia controlava a sequência de lançamento e mantinha o controle operacional das ogivas nucleares e sistemas de armas.
Embora a estratégia nuclear tradicional de grande potência envolva uma “tríade” de sistemas de entrega — terrestre, aéreo e naval —, a Ucrânia poderia operar efetivamente com apenas um ou dois componentes, dada a frota ucraniana quase inexistente. Desde que os EUA encerraram o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário em 2019, a Ucrânia pode construir mísseis com alcance de até 5,5 mil quilômetros. Ela já está trabalhando no desenvolvimento de mísseis balísticos para cargas convencionais.
No entanto, considerações políticas e econômicas sugerem que seguir um caminho nuclear pode não valer a pena. Por exemplo, o desenvolvimento de um míssil balístico intercontinental como o M51 da França custou cerca de 5 bilhões de euros (R$ 30,8 bilhões). Israel, um país muito menor que enfrenta uma ameaça existencial permanente semelhante de inimigos menos poderosos, supostamente gasta mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) anualmente apenas em suporte a armas nucleares.
E, claro, a experiência de Israel ilustra claramente que armas nucleares não garantem segurança absoluta. Embora uma capacidade nuclear possa ter servido bem à Ucrânia como um potencial impedimento antes do início da agressão armada da Rússia em 2014, uma saída do Tratado de Não Proliferação Nuclear poderia tornar a Ucrânia muito impopular e possivelmente fornecer aos seus aliados ocidentais menos comprometidos uma razão para retirar o financiamento e outro suporte.
Além disso, um sistema nuclear totalmente desenvolvido levaria muito tempo. Leonid Kuchma observou certa vez que um “ciclo completo” para construção nuclear com sistemas de entrega e tecnologias para contornar os modernos sistemas de defesa antimísseis exigiria um mínimo de dez anos em condições pacíficas e financiamento total.
Quais são as alternativas então? Há duas. A primeira seria a construção de uma bomba suja feita de lixo radioativo e entregue por um sistema de armas convencionais como uma aeronave de combate. Isso é muito mais fácil e barato do que um programa de armas nucleares em larga escala e é inteiramente plausível. Seria surpreendente se a Ucrânia já não tivesse considerado isso como uma resposta às ameaças russas (infinitamente repetidas) de empregar armas nucleares contra ela.
O outro é o caminho para a filiação plena à Otan, e logo. Embora o Artigo 5 nunca tenha sido totalmente testado, há uma possibilidade de que ele possa ser eficaz para pôr fim à guerra na Ucrânia.
Qualquer outra coisa sugere um futuro sombrio, tanto para a Ucrânia quanto para a Europa. A primeira pode continuar a perder mais território, pessoas e a perspectiva de um futuro melhor.
Há um perigo real aqui que o mundo seria tolo em ignorar. Se a Ucrânia um dia enfrentar a escolha entre a sobrevivência nacional e sua erradicação pelo avanço das forças russas, o que ela escolheria?
Não é preciso ser um especialista em geopolítica para entender que a Ucrânia pode se recusar a entrar silenciosamente na escuridão das nações que desaparecem.