Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal The Washington Post
Por Max Boot
Um ano atrás, a publicação online Task & Purpose contabilizou pelo menos sete generais russos mortos durante a guerra na Ucrânia. Nos países ocidentais, suas mortes foram geralmente celebradas, já que a Rússia é o agressor no conflito e os generais foram mortos em combate. Os Estados Unidos supostamente forneceram as informações de inteligência que permitiram às forças ucranianas atacar algumas das sedes onde esses generais morreram.
A morte, na terça-feira (17), do tenente-general Igor Kirillov, chefe das Tropas de Proteção Radiológica, Química e Biológica da Rússia, é mais controversa porque ocorreu em Moscou, a centenas de quilômetros da linha de frente. Rompendo o padrão normal de governos de nem confirmar nem negar sua participação em tais “operações úmidas”, o SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia) reivindicou orgulhosamente o crédito pelo assassinato de Kirillov e de um assistente, usando uma scooter carregada com explosivos. Na quarta-feira (18), a polícia secreta da Rússia, o FSB (Serviço Federal de Segurança, da sigla em inglês), anunciou a prisão de um uzbeque de 29 anos que, segundo eles, teria recebido US$ 100 mil dos ucranianos e a promessa de passagem segura para a Europa para executar a operação.
Um oficial do SBU disse aos meus colegas do The Washington Post que Kirillov era um “alvo absolutamente legítimo, pois ele dava ordens para o uso de armas químicas proibidas contra o exército ucraniano.” De fato, há evidências críveis de que as forças de Kirillov usaram agentes sufocantes potentes contra tropas ucranianas em pelo menos 4,8 mil ocasiões.

Ainda assim, o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan desaprovou: “Apoiamos e ajudamos a Ucrânia a se defender e a combater as forças russas no campo de batalha, mas não operações como esta,” disse ele na quarta-feira no programa Morning Joe da MSNBC, acrescentando: “Do ponto de vista dos Estados Unidos, operações de assassinato, longe do campo de batalha em uma capital, não fazem parte da doutrina militar americana.”
Na realidade, isso tem feito parte da prática militar americana. Em 2020, forças dos EUA mataram o major-general Qasem Soleimani, o alto oficial iraniano que comandava a Força Quds, em um ataque aéreo em Bagdá — outra capital. Os Estados Unidos não estavam em guerra com o Irã, então os americanos, arguivelmente, tinham bases mais fracas para matar Soleimani do que os ucranianos tinham para matar Kirillov. Ainda assim, embora a sabedoria de matar Soleimani tenha sido amplamente questionada, sua moralidade e legalidade foram geralmente aceitas, porque ele era um líder terrorista. Os generais russos, por sua vez, são responsáveis por travar uma guerra de agressão e por supervisionar forças que cometeram crimes de guerra.
Não há dúvida de que Kirillov era um alvo legítimo. Michael N. Schmitt, especialista em leis de guerra da academia militar de West Point, disse que, embora ainda esteja estudando o caso, seu julgamento preliminar é o de que “parece bastante direto; oficiais militares são combatentes, que são alvos legítimos em território beligerante.”
Ainda assim, o fato de um país estar autorizado a fazer algo não significa que deva fazê-lo. A operação contra Kirillov é um caso difícil. Foi justificada, mas não fará muita diferença.
É compreensível que os ucranianos queiram sinalizar às elites russas que elas serão responsabilizadas pelos crimes do regime de Putin. Os ucranianos não parecem preocupados com retaliações russas porque sabem que as forças russas já realizaram muitos esforços para matar líderes ucranianos, desde o presidente Volodymyr Zelensky para baixo.
Mas não há razão para acreditar que a morte de Kirillov terá qualquer efeito apreciável no esforço de guerra russo. O Kremlin simplesmente promoverá outro general para ocupar seu lugar. Isso é geralmente o que acontece sempre que uma grande organização perde um de seus líderes — e é por isso que assassinatos direcionados raramente são decisivos. A morte de Soleimani, por exemplo, mal enfraqueceu o apoio do Irã às suas forças por procuração na região — e supostamente levou o Irã a lançar seus próprios planos contra Donald Trump e outros líderes americanos que supervisionaram o assassinato de Soleimani.
Israel obteve mais sucesso militar nos últimos meses ao matar o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, e o líder do Hamas, Yahya Sinwar — mas apenas porque essas mortes ocorreram no contexto de ofensivas israelenses muito maiores contra suas organizações militantes. Se Israel os tivesse matado em tempos de paz, é duvidoso que tivesse feito tanta diferença.
De forma mais ampla, a ênfase dos EUA e de Israel em “assassinatos direcionados” corre o risco de borrar a distinção entre combatentes e não combatentes, pois permite que regimes iliberais justifiquem a eliminação de seus críticos no exterior sob o argumento de que estão seguindo precedentes ocidentais. O regime Modi, na Índia, por exemplo, foi recentemente acusado de tramar o assassinato de ativistas sikh nos Estados Unidos e no Canadá. Um ex-alto funcionário da inteligência dos EUA disse ao The Washington Post: “Isso é [o primeiro-ministro indiano Narendra] Modi olhando para o mundo e dizendo a si mesmo: ‘Os Estados Unidos realizam assassinatos direcionados fora de zonas de guerra. Os israelenses fazem isso. Os sauditas fazem isso. Os russos fazem isso. Por que não nós?’”
Antes de criticar a Ucrânia por matar um general russo em Moscou, os funcionários dos EUA deveriam se perguntar que precedentes suas próprias ações estabelecem. Por mais justificados que possam ser os assassinatos direcionados individuais, a tendência maior é preocupante.