Âncora expõe drama russo com sanções: ‘Não podemos comprar o que precisamos’

Privado de itens importados, país sofre queda na produção industrial, com impacto nas cadeias produtiva, tecnológica e logística

Ivan Trushkin, âncora da emissora estatal NTV, da Rússia, deu uma ideia de quanto as sanções ocidentais têm atrapalhado a vida dos cidadãos russos. Durante programa ao vivo, ele questionou um convidado: “Temos acesso a diferentes moedas, como dólar, euro, rúpia e yuan. Mas ainda assim não podemos gastar no que queremos por causa dessas sanções”. As informações são da revista Newsweek.

Ao ser questionado, Arkady Nikolaevich, deputado russo que inclusive foi alvo de sanções por parte da União Europeia (UE), tentou minimizar o problema: “Podemos gastar com o que quisermos”, disse ele. Trushkin, então, reforçou sua posição e corrigiu a declaração: “Quero dizer, não podemos gastar com o que precisamos. Não entendo nada”.

Ivan Trushkin, âncora da emissora estatal NTV, da Rússia (Foto: Facebook)

A reclamação de Trushkin foi celebrada por Anton Geraschenko, conselheiro de assuntos internos de Kiev, que comentou a cena no Twitter: “‘Podemos comprar o que queremos. Não podemos comprar o que precisamos’. As sanções estão funcionando”, disse ele em um post publicado na quarta-feira (14), no qual também reproduziu o vídeo em questão.

Rússia em recessão

Atualmente, especialistas projetam uma queda de 3% no PIB (produto interno bruto) da Rússia para este ano, resultado direto da guerra e das consequentes sanções que isolaram economicamente o país. O número só não será pior porque o país foi beneficiado pelo aumento global no preço dos combustíveis fósseis.

Porém, nem os bilhões arrecadados com a venda de energia compensam as perdas que os russos vêm sofrendo durante a guerra. O país foi privado de muitos componentes importados, sobretudo no setor de tecnologia, resultando em queda na produção industrial nacional e impactando nas cadeias produtiva, tecnológica e logística.

Recentemente, o Ministério da Indústria e Comércio da Rússia pediu às grandes empresas que forneçam listas de matérias-primas e equipamentos que estão precisando, segundo revelou uma fonte do setor à agência Reuters. Moscou tem recorrido à Índia para obter os itens, mas mesmo os indianos estão receosos de que os negócios possam conflitar com as sanções ocidentais e, assim, gerar punições a eles.

“Sanções, embargos de petróleo e gás, alta inflação, saídas de capital e menor investimento empresarial arrastaram a Rússia para uma recessão”, disse Olga Bychkova, economista da Moody’s Analytics. “A Rússia está prestes a enfrentar uma recessão considerável em 2022, que continuará em 2023 sem recuperação, à medida que as sanções aprofundam seu impacto na economia”.

Êxodo ocidental

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, mais de mil empresas ocidentais deixaram de operar em território russo. São companhias que evitam o risco de desobedecer as sanções ocidentais, ou mesmo a reação negativa da opinião pública caso continuem a lucrar no mercado russo. O levantamento foi feito pela Universidade de Yale, nos EUA.

Um caso emblemático é o do McDonald’s, que vendeu seu negócio no país a um empresário russo. Ao fim do ano passado, a rede tinha 847 lojas na Russia. Diferente do que ocorre no resto do mundo, onde habitualmente atua no sistema de franquias, 84% das lojas russas eram operadas pela própria companhia. Somado ao faturamento na Ucrânia, a operação respondia por 9% da receita global da empresa.

Loja do McDonald’s na Rússia (Foto: Wikimedia Commons)

Uma das decisões mais impactantes foi o fim dos serviços das companhias de cartões de crédito Visa e Mastercard. Assim, cartões dessas bandeiras emitidos na Rússia deixaram de ser aceitos, e houve inclusive casos de turistas impedidos de sair da Tailândia por problemas com voos cancelados e cartões bloqueados.

A Rússia também foi excluída do sistema global de pagamentos SWIFT, que movimenta dinheiro entre bancos de mais de 200 países. A alternativa do país é o Mir, uma versão local desenvolvida em 2014 e ativa em um grupo restrito de países.

Dentro da Rússia, o Mir garante que os cidadãos locais não tenham problemas para realizar seus pagamentos corriqueiros. Para pagamentos no exterior, porém, o desafio é cada vez maior, vez que os EUA têm ampliado as sanções. Foram suspensas inclusive as operações da bandeira chinesa de cartões de crédito Union Pay, até então uma opção global para o turista russo.

O próprio banco central da Rússia admitiu em setembro que tem enfrentado “dificuldades” para expandir o sistema Mir. E a tendência é a de que ele se torne cada vez mais restrito, conforme o Tesouro norte-americano aumenta a pressão inclusive sobre os países na esfera de influência do Kremlin.

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