Ativista russa antiguerra é internada à força em uma clínica psiquiátrica

Segundo Anistia Internacional, medida se assemelha a ações da era soviética para silenciar os opositores do governo

A artista russa Aleksandra Skochilenko, presa em abril por protestar substituindo etiquetas de preços em supermercados de São Petersburgo por mensagens antiguerra, foi internada à força em uma clínica psiquiátrica, onde será submetida a exames. O ato se assemelha a medidas da era soviética para silenciar opositores ao governo. As informações são da rede Radio Free Europe.

De acordo com a mãe de Aleksandra, Nadezhda Skochilenko, os psiquiatras disseram que o exame poderia ser feito dentro do centro de detenção onde a artista está sob custódia, porém, por insistência do oficial responsável pela investigação, ela foi enviada para uma clínica psiquiátrica.

A advogada de Aleksandra, Yana Nepovinnova, disse nesta quinta-feira (9) que as autoridades estimam que o procedimento médico pode levar até três semanas para ser concluído.

Artista russa Aleksandra Skochilenko, presa desde abril por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços (Foto: bok_andrey/Reprodução Instagram)

A Anistia Internacional (AI) classifica o uso atual de clínicas psiquiátricas em casos contra dissidentes de “uma medida punitiva” que foi “bem experimentada e testada durante o período soviético” para pressionar os presos políticos.

Aleksandra, de 32 anos, faz parte do movimento Resistência Feminista Antiguerra, que tem como uma de suas marcas a substituição das etiquetas de preços por mensagens de protesto. O mesmo grupo é responsável por pintar mensagens de repúdio ao conflito em cédulas e moedas de rublo. 

Colocada sob custódia pré-julgamento até junho, a artista detalhou em cartas enviadas à namorada as condições insalubres e eventualmente perigosas do centro de detenção preventiva onde se encontra, incluindo precariedade na assistência médica – ela sofre de doença celíaca, que causa danos ao intestino no caso de ingestão de glúten.

A artista pode ser condenada a até dez anos de prisão, com base na recente lei que proíbe o cidadão russo de “desacreditar as forças armadas” e de divulgar o que o governo considera informações falsas sobre a guerra.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos.

Dentro da severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

Tags: