Artista russa presa por protestos antiguerra narra abusos da prisão em cartas a namorada

Aleksandra Skochilenko, presa há quase dois meses na Rússia, afirma que tem tido tratamento médico negado na prisão

A artista russa Aleksandra Skochilenko, presa em abril por protestar substituindo etiquetas de preços em supermercados de São Petersburgo por mensagens antiguerra, denunciou abusos no cárcere em cartas enviadas para a sua namorada. As informações são da revista Newsweek.

Colocada sob custódia pré-julgamento até junho, a artista detalhou à companheira as condições insalubres e eventualmente perigosas do centro de detenção preventiva onde se encontra. Ela pode ser condenada a até dez anos de prisão, com base na recente lei que proíbe o cidadão russo de “desacreditar as forças armadas” e de divulgar o que o governo considera informações falsas sobre a guerra.

Namorada há cinco anos de Aleksandra, Sonia Subbotina compartilhou as cartas com o jornal independente russo The Insider. As correspondências descrevem precariedade na assistência médica e problemas enfrentados com outros detentos. Em uma delas, a artista diz que uma apenada costuma se dirigir a ela de forma opressiva. “Fala comigo em tom autoritário e constantemente me dá ordens”, relatou Aleksandra.

“Ela controla todos os meus movimentos e reclama de cada uma das minhas ações”, acrescentou.

Artista russa Aleksandra Skochilenko, presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços (Foto: Instagram)

A artista também descreveu uma ação que sugere lavagem cerebral. De acordo com ela, os detentos são submetidos a um programa de TV da mídia estatal russa que “grita o dia todo” mensagens pró-guerra. O aparelho só é desligado à noite.

De acordo com o relato de Sonia ao Insider, sua namorada tem diversos problemas de saúde, que estariam sendo negligenciados pela direção do centro de detenção, agravando sua condição. Entre as enfermidades, Aleksandra tem doença celíaca, que causa danos ao intestino no caso de ingestão de glúten. Por conta da escassez de alimentos adequados à sua condição, a artista tem se alimentado mal, tendo inclusive comido refeições com glúten em situações em que estava com muita fome.

“Isso a deixou muito doente. Ela estava vomitando muito e sentindo muita dor”, disse a companheira.

A artista também teria passado por uma cirurgia de emergência na prisão. “Eles não tinham material de costura, então deixaram como uma ferida aberta. Agora ela precisa ser tratada com antibióticos”, contou Sonia. “Isso definitivamente tem a ver com o endurecimento do regime autoritário”.

Em uma das cartas, Aleksandra mostra um lado mais otimista. “Meus acusadores têm poder e dinheiro, mas eu tenho infinitamente mais: bondade, empatia, amor verdadeiro e o apoio de pessoas de todo o mundo”.

A artista, de 32 anos, faz parte do movimento Resistência Feminista Antiguerra, que tem como uma de suas marcas a substituição das etiquetas de preços por mensagens de protesto. O mesmo grupo é responsável por pintar mensagens de repúdio ao conflito em cédulas e moedas de rublo. 

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos.

Dentro da severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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