Belarus confisca casa de jornalista construída por sobrevivente da repressão soviética

Imóvel havia sido poupado até pelo regime de Stalin, mesmo com seu antigo dono rotulado como 'inimigo do povo'

O governo de Belarus confiscou a residência do jornalista Alyaksei Dzikavitski, diretor interino do canal de notícias Belsat TV, um veículo independente sediado na Polônia. O imóvel fica localizado no distrito de Pinsk, oeste do país, e foi erguido pelo avô do profissional de imprensa há cera de um século. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

O avô de Dzikavitski havia construído a casa pouco antes de ser enviado para um gulag, campo de concentração soviético no qual os presos eram submetidos a trabalhos forçados, tortura e outras formas de punição.

O confisco do imóvel marca mais um capítulo na dura repressão imposta pelo regime de Alexander Lukashenko e surge como alternativa para atingir o jornalista diante da impossibilidade de prendê-lo, vez que atualmente vive na Polônia.

O presidente Alexander Lukashenko em visita a Vladimir Putin, Moscou, setembro de 2020 (Foto: Kremlin)

Dzikavitski conta que soube da decisão do governo através de uma notificação enviada pelo Comitê Investigativo de Belarus. “Nem mesmo as autoridades stalinistas tiraram a casa que meu avô, rotulado de ‘inimigo do povo’, construiu antes de ser enviado para o gulag”, disse ele.

Minsk usou como argumento para confiscar a casa o fato de a Belsat TV ter sido rotulada como uma “organização extremista” por não se submeter à ditadura de Lukashenko. Em janeiro de 2023, ele assinou uma lei que permite ao governo tomar bens de cidadãos ou organizações considerados hostis ao regime.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente quase de 1,5 mil prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”.

A violenta repressão imposta por Lukashenko levou muitos oposicionistas a deixarem o país. Aqueles que não fugiram são perseguidos pelas autoridades e invariavelmente presos. É o caso de Sergei Tikhanovsky, que cumpre uma pena de quase 20 anos de prisão sob acusações consideradas politicamente motivadas. Ele é marido de Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial e hoje exilada.

Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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