Blogueiros e políticos pró-guerra criticam abertamente falhas militares da Rússia

Frustração com a incompetência do comando aumentou após ataque ucraniano a uma instalação militar que matou quase 90 recrutas russos

A morte de 89 novos recrutas russos em uma instalação militar atingida nos primeiros minutos de 2023 foi um erro de Moscou, que por sua vez atribui a culpa aos próprios combatentes ao alegar que eles facilitaram a identificação do local usando aparelhos celulares indevidamente. A responsabilidade do comando das forças armadas é um ponto de concordância entre estrategistas militares ocidentais e russos, de acordo com análise feita pelo site Politico.

O ataque realizado pela Ucrânia ocorreu na cidade de Makiivka, na região de Donetsk, ocupada pela Rússia desde 2014, e foi um dos mais mortíferos contra as forças do Kremlin desde o início da guerra. Inicialmente, Moscou falou em 63 mortos, mas depois atualizou para 89. Já Kiev afirma que a quantidade de baixas é bem maior, perto de 400, embora ambas as alegações careçam de verificação independente. Pelo menos 600 combatentes estavam no local.

“Eles nunca deveriam ter estado lá”, resumiu Sean Bell, vice-marechal da aviação aposentado do Reino Unido.

Soldados do exército russo em treinamento (Foto: eng.mil.ru)

Blogueiros e parlamentares militares pró-guerra russos estão de acordo com o pensamento de Bell, bem como especialistas militares ocidentais. Responsabilizar os novos soldados, para eles, é parte de uma tentativa de afastar aos erros de comandantes e oficiais.

No Telegram e em outras plataformas usadas pelos apoiadores da chamada “operação especial militar” na Ucrânia, críticas têm sido disparadas aos militares de alta patente russos, que também têm suas capacidades questionadas.

“Em princípio, nossos generais não podem ser treinados”, escreveu Igor Girkin, ex-oficial de inteligência e comandante paramilitar reconhecido por ter desempenhado um papel fundamental na anexação da Crimeia e na guerra em Donbass.

Muitos têm batido na tecla de que aglomerar os recrutas em uma instalação que também servia como um depósito de munição e armas não foi uma decisão inteligente.

“O que aconteceu em Makiivka é horrível”, escreveu Arcanjo Spetsnaz Z, um blogueiro militar russo com mais de 700 mil assinantes em seu canal no Telegram. “Quem teve a ideia de colocar pessoal em grande número em um prédio, onde até um tolo entende que, mesmo que sejam atingidos por artilharia, haverá muitos feridos ou mortos?”.

Além de blogueiros e parlamentares ligados ao exército, a mídia estatal igualmente não aprovou a ideia. A jornalista Margarita Simonyan, editora-chefe do canal Russia Today e um dos principais rostos da propaganda e da desinformação disseminadas pelo presidente russo, também fez críticas sobre o episódio.

Diante da repercussão negativa, o Ministério da Defesa quebrou o silêncio e se pronunciou sobre o caso, prometendo conduzir uma investigação para apurar o desastre, embora mantenha a narrativa de culpar os recrutas por não respeitarem a proibição do uso de telefones celulares.

“Esse fator permitiu ao inimigo rastrear e determinar as coordenadas da localização dos soldados para um ataque com míssil”, disse o tenente-general Sergei Sevryukov.

Porém, essa justificativa não tem sido amplamente aceita. Semyon Pegov, um blogueiro influente condecorado com a Ordem da Coragem pelo presidente Vladimir Putin em 2022, é um dos que questiona tal narrativa oficial.

“A história dos celulares não é muito convincente”, escreveu ele no Telegram. “Parece uma tentativa direta de manchar a culpa”.

Nesse cenário, há rumores de uma mudança nos escalões superiores das forças armadas da Rússia. O ministro da Defesa e chefe do Estado-Maior Valery Gerasimov, entre outros, pode ser substituído. Caso ocorra, seria do agrado tanto de blogueiros pró-conflito quanto de figuras da estatura do líder checheno Ramzan Kadyrov e do chefe paramilitar Evgeny Prigozhin, que há tempos reivindicam essa dança das cadeiras.

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