Com União Europeia e EUA divididos, futuro da Ucrânia na guerra contra a Rússia está ameaçado

Com poder de veto, governo húngaro se opõe a pacote de 50 bilhões de euros destinado a Kiev e irrita países europeus

A resistência da Ucrânia à agressão da Rússia está ameaçada. As atuais rupturas políticas na União Europeia (UE) e nos EUA colocam em risco a manutenção do apoio militar e econômico do Ocidente a Kiev, indispensável para o país liderado por Volodymyr Zelensky resistir à agressão. Se os impasses não foram solucionados, estaria criado o cenário ideal para um triunfo das tropas lideradas pelo presidente russo Vladimir Putin.

A Europa vive indefinição protagonizada pela Hungria e seu primeiro-ministro, Viktor Orbán, mais importante aliado de Putin no continente. Na quinta-feira (14) terá início uma cúpula de dois dias envolvendo ministros das Relações Exteriores dos países-membros da UE, e Budapeste já deixou claro que tem posição dissonante dos demais quanto à guerra da Ucrânia.

No que depender de Orbán, a proposta de abrir um fundo especial adicional de 50 bilhões de euros em apoio financeiro a Kiev será vetada, bem como a ainda distante intenção de tornar a Ucrânia membro da UE. Sob tal contexto, o apoio militar coletivo dos europeus ao governo ucraniano estaria igualmente com os dias contados, vez que o bloco exige unanimidade para a aprovação dessas medidas.

O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán em Bruxelas, outubro de 2023 (Foto: consilium.europa.eu)

A oposição do líder húngaro à ajuda fornecida a Kiev ameaça demolir uma unidade política estabelecida no início do conflito e gerou reações nada diplomáticas de alguns Estados.

“A única maneira pela qual posso ler a posição húngara, não apenas sobre a Ucrânia, mas sobre muitas outras questões, é que eles são contra a Europa e tudo o que a Europa representa”, declarou Gabrielius Landsbergis, ministro das Relações Exteriores da Lituânia, de acordo com a rede Euronews. “Talvez esta etapa possa ser resolvida. Caso contrário, tempos sombrios podem estar por vir.”

O ex-premiê letão Krisjanis Kariņs, hoje ministro das Relações Exteriores da nação báltica, foi menos incisivo, classificando a posição de Orbán como um “desafio” e acrescentando que a Europa tem “uma semana crucial” à frente.

As críticas dele acabaram voltadas ao próprio bloco, sugerindo que dar poder demais a um único membro é um erro. “Também sublinho a forma interessante como tomamos decisões: por unanimidade. Às vezes é um modelo muito bom, e às vezes, como agora, vemos que pode ter as suas desvantagens”, afirmou Kariņs.

Reforçando a ideia de aliança entre as nações bálticas, o estoniano Margus Tsahkna disse que a Hungria “não tem razão” nem “nenhum argumento” para bloquear as propostas de apoio a Kiev, ou mesmo a adesão do país à UE.

“Espero realmente que no final desta semana possamos dizer que aproveitamos esta janela histórica de oportunidade de alargamento e que não haverá nenhum país que a bloqueie”, disse Tsahkna, segundo quem o eventual veto de Budapeste seria “um erro”.

Por um lado, a posição antagônica de Orbán pode ser associada à relação com Putin e à dependência húngara das fontes de energia russas. Por outro, mais relevante, remete aos cerca de 30 bilhões de euros em fundos da Hungria bloqueados pela UE, que questiona o atual estado da democracia húngara.

“Não estou preocupado, mas a posição da Hungria tem sido muito, muito deplorável ao longo dos últimos meses”, disse a ministra finlandesa Elina Valtonen, cujo país, assim como os bálticos, teme que uma vitória russa frente à Ucrânia encoraje novas invasões de Putin. “Tem de haver decisões sobre a Ucrânia. Não podemos mostrar nenhum sinal de fraqueza.”

Polarização norte-americana

Nos EUA a situação é igualmente delicada. A oposição republicana tem se tornado cada vez mais ativa ao manifestar oposição contra a ajuda a Kiev. Na semana passada, o think tank de Washington Pew Research Center disse que a situação não se limita aos rivais políticos do presidente Joe Biden.

Uma pesquisa divulgada pela entidade afirma que 31% dos cidadãos norte-americanos consideram que o país vem fornecendo ajuda excessiva à Ucrânia. Entre os eleitores republicanos e os independentes com tendências republicanas esse número é consideravelmente mais alto: 48%.

A opinião pública ilustra bem a situação no Congresso, esta a real preocupação ucraniana. No domingo (10), em entrevista ao programa State of the Union, da rede CNN, o senador republicano JD Vance contestou o envio de ajuda adicional e declarou que os EUA precisam reconhecer a possibilidade de a Ucrânia conceder território à Rússia para encerrar o conflito.

Os republicanos conseguiram vetar um pacote de US$ 60 bilhões que não seria destinado somente à Ucrânia, mas também a Israel e Taiwan. Para apoiar os democratas nesse sentido, exigem contrapartidas de Biden em questões diversas. O impasse atual pode vir a ser solucionado, mas a queda de braços entre os dois grandes partidos norte-americanos no que tange à guerra persistirá.

Vance é radical ao avaliar a situação na Europa. Segundo ele, o foco principal dos EUA deveria ser o fim da guerra na Ucrânia a qualquer custo, sob o argumento de que ninguém mais acredita na vitória do país invadido.

A situação tem levado o presidente ucraniano a se manifestar publicamente, consciente de que a redução do suporte norte-americanos seria decisiva. “Quando o mundo livre hesita é que as ditaduras celebram”, disse Zelensky em visita a Washington na segunda-feira (11), conforme relato do jornal Financial Times.

Como os líderes das nações bálticas na Europa, aliados de Biden têm atuado como porta-vozes de Kiev em Washington. Fazem coro com o presidente ucraniano e listam os perigos de aceitar uma vitória russa.

“A luta da Ucrânia pela liberdade é uma das grandes causas do nosso tempo. E os Estados Unidos têm orgulho de estar ao seu lado. E, não se engane, a Ucrânia é profundamente importante para a segurança americana e para a trajetória da segurança global no século XXI”, disse o secretário de Defesa Lloyd Austin antes do discurso de Zelensky em Washington.

Ele acrescentou: “Se não enfrentarmos hoje a agressão do Kremlin, se não dissuadirmos outros possíveis agressores, apenas provocaremos mais agressão, mais derramamento de sangue e mais caos.” 

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