Dezenas de pessoas são detidas no metrô de Moscou em operação contra protestos

Governo teria usado reconhecimento facial para identificar pessoas de interesse, muitas delas presentes em protestos anteriores

As autoridades de Moscou realizaram dezenas de detenções no metrô da cidade na segunda-feira (22), data em que a Rússia comemorou o Dia da Bandeira Nacional. De acordo com o jornal independente The Moscow Times, as detenções aparentemente eram parte de uma grande operação para impedir protestos populares na data comemorativa.

A ONG OVD-Info, que monitora protestos e a repressão no país, relatou as detenções em primeira mão, dizendo que 33 ativistas e um jornalista foram levados para instalações da polícia moscovita ao longo do dia. Câmeras e softwares de reconhecimento facial teriam sido utilizados para identificar pessoas de interesse, sobretudo aquelas que haviam participado de protestos populares anteriores.

Quase todos os detidos foram liberados após averiguação. Entretanto, uma delas, Svetlana Getia, foi formalmente acusada de “desacreditar as forças armadas”, vez que vestia uma camisa com a frase “sou contra a guerra”.

A OVD-Info informa que as autoridades do país realizaram nos últimos meses mais de 16 mil detenções de pessoas que teriam se posicionado contra a guerra na Ucrânia, à qual o Kremlin se refere pelo eufemismo “operação militar especial”, exigindo que a população faça o mesmo.

Metrô de Moscou: dezenas de pessoas detidas em ato de repressão a protestos (Foto: Cestomano/Flickr)
Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitários erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova, que foi detida outras vezes depois disso, pediu demissão e diz que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Ela foi colocada em prisão domiciliar, será julgada e pode ser condenada a uma pena de até dez anos de prisão.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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