Dinamarca sugere cúpula pela paz e cobra uma posição mais firme de Brasil, Índia e China

"É necessário criar interesse e envolvimento de países como Índia, Brasil e China", disse o ministro das Relações Exteriores dinamarquês

O governo da Dinamarca se ofereceu para sediar uma cúpula pela paz em julho deste ano, em busca de um acordo capaz de encerrar a guerra da Ucrânia. Entretanto, Copenhague indicou que o sucesso da empreitada depende do engajamento de Brasil, Índia e China, parceiros da Rússia no BRICS e hesitantes em condenar a agressão de Moscou que deu início ao conflito. As informações são da agência Reuters.

“Para começar, precisamos nos esforçar para criar um compromisso global para organizar tal encontro”, disse Lars Lokke Rasmussen, ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, em meio a reunião do Conselho de Relações Exteriores da União Europeia (UE) em Bruxelas, na Bélgica. “É necessário criar interesse e envolvimento de países como Índia, Brasil e China”, acrescentou.

De acordo com o ministro, a eventual cúpula tenderia a ser realizada sem a presença de um representante russo. “Se a Ucrânia achar que chegou a hora de realizar tal reunião, isso seria fantástico. E então a Dinamarca obviamente gostaria de sediar a reunião”, afirmou Rasmussen.

Lars Lokke Rasmussen, ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, em 2009 (Foto: WikiCommons)
A posição brasileira

O governo brasileiro tornou-se o centro das atenções nos últimos meses por sua posição dúbia sobre a guerra. Embora tenha condenado publicamente em mais de uma ocasião a invasão russa que gerou o conflito, se esforça para manter uma imagem de neutralidade que não venha comprometer a relação com Moscou.

Washington chegou a criticar a posição brasileira algumas vezes. Em fevereiro deste ano, a embaixadora Victoria Nuland, subsecretária de assuntos políticos do governo norte-americano, pediu ao Brasil “que se coloque no lugar da Ucrânia”.

“Se um grande vizinho estivesse mordendo pedaços de seu território e invadindo-o militarmente, você esperaria e contaria com o apoio da comunidade democrática para resistir e repelir isso?”, declarou ela. “Então, o que estamos defendendo aqui é a Carta da ONU, as regras internacionais de trânsito. O Brasil, agora no Conselho de Segurança da ONU, é um jogador muito importante nessa conversa”.

John Kirby, porta-voz da Segurança Nacional dos EUA, foi mais duro ao chamar o Brasil de “papagaio da propaganda russa e chinesa”, segundo a rede CNN.

Política externa prejudicada

A posição do Brasil está alinhada com a de seus parceiros de BRICS, o que explica o fato de o ministro dinamarquês ter citado os três países.

Felix K. Chang, membro sênior do think tank Instituto de Pesquisa de Política Externa (FPRI, na sigla em inglês), endossou essa posição em artigo publicado em abril. “Tanto a China quanto a Índia se abstiveram de criticar a invasão russa e ajudaram a diminuir o impacto das sanções econômicas ocidentais contra a Rússia”, analisou.

O mais recente capítulo dessa novela ocorreu no final da última semana, depois que um encontro entre o presidente Lula e seu homólogo ucraniano foi cancelado às margens do encontro do G7 no Japão. De acordo com o chefe de Estado brasileiro, Volodymyr Zelenskiy “não apareceu. Claramente tinha compromissos e não pôde vir”, disse ele, segundo a Reuters.

Em artigo publicado na semana passada pela revista Foreign Policy, o analista político Oliver Stuenkel, professor adjunto de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destacou um possível prejuízo para o governo brasileiro em virtude de seu alinhamento. Ou da falta de um.

“A posição de Lula sobre a guerra da Rússia na Ucrânia frustrou os formuladores de políticas em todo o Ocidente e pode limitar a largura de banda da política externa do Brasil em outras questões”, declarou Stuenkel.

Quem também pensa dessa forma é Rubens Beçak, professor da FDRP-USP, livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e professor visitante da Universidade de Salamanca, na Espanha, no curso Master em Estudos Brasileiros. “O Brasil dá sinais claros de alinhamento sem fazer uma reflexão, e isso gera consequências”, afirmou ele em recente entrevista à reportagem de A Referência.

Um dessas consequências está atrelada à mediação da paz. Lula chegou a sugerir em maio que um grupo de países isentos seja criado para negociar o fim da guerra. A proposta foi apresentada a Estados Unidos, FrançaAlemanha, de acordo com a CNN.

Para Beçak, porém, o Brasil tende a ser alijado das negociações devido à hesitação em condenar a agressão russa. “O Brasil tem a pretensão de mediar o conflito. Mas, com essa bola fora, a pretensão ficou bem difícil de concretizar”, disse Beçak.

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