Em 2023, Putin eliminou rivais, calou críticos e pavimentou caminho para a reeleição

Prigozhin morreu na queda de um avião, Igor 'Strelkov' Girkin foi para a cadeia e Navalny agora congela em uma cela no Ártico

Evgeny Prigozhin, chefe do poderoso Wagner Group, morreu na misteriosa queda de um avião no dia 23 de agosto. Igor “Strelkov” Girkin, ex-comandante de um grupo ucraniano rebelde pró-Kremlin, foi preso acusado de extremismo. O mesmo “crime” levouo opositor político Alexei Navalny para um gelado presídio no Ártico. Em 2023, nem o ex-presidente Dmitry Medvedev, uma espécie de porta-voz não oficial do governo, escapou das garras de Vladimir Putin, que novamente usou violência e censura para calar seus rivais e assim pavimentou caminho para seguir no poder após as eleições de 2024.

Morte previsível

A jornalista Candace Rondeaux, o analista político Vlad Mykhnenko e o ex-agente da KGB Sergei Zhirnov têm algo em comum. Os três, em algum momento no ano passado, previram que o destino de Prigozhin seria trágico, conforme ele ampliava as críticas à atuação da Rússia na guerra da Ucrânia, atacando sobretudo o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu.

A rebelião liderada por Prigozhin à frente do Wagner Group, que em junho marchou rumo a Moscou e colocou até a sobrevivência política de Putin em risco, aumentou as apostas de que ele sairia de circulação em breve. O desfecho diplomático do motim, com um perdão aos golpistas costurado pelo presidente belarusso Alexander Lukashenko, pegou os analistas de surpresa.

Em artigo publicado no site do think tank Carnegie Endowment for International Peace logo após a morte de Prigozhin, a especialista em Rússia Tatiana Stanovaya classificou a sobrevivência dele até ali como “um privilégio raro nos dias de hoje.” Ao comentar a morte, sugeriu um assassinato: “A forma como Prigozhin foi aparentemente morto sugere que o Kremlin queria mostrar como lida com os traidores”, disse.

Vladimir Putin, fevereiro de 2022: inimigos eliminados ou censurados (Foto: Kremlin)

É provável que jamais surja qualquer evidência referente à morte de Prigozhin. Indícios, entretanto, já pipocam. O mais recente deles foi apresentado pelo The Wall Street Journal (WSJ), segundo o qual o mandante da morte teria sido Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança Nacional e apontado como possível sucessor de Putin.

Fato é que a morte do líder do Wagner Group enfraqueceu a organização mercenária, que até então vinha se mostrando mais poderosa até que o Exército regular da Rússia. E ainda tirou do cenário um possível rival político do presidente, pois a popularidade junto aos cidadãos russos colocava Prigozhin até como postulante à presidência.

Extremistas encarcerados

Outro que despontou como ameaça politica a Putin é Alexei Navalny, que ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais em todo o país e denunciava casos de corrupção envolvendo o governo. Isso levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Mais recentemente, Navalny foi condenado também por extremismo, tendo a pena ampliada para 19 anos de prisão. Jamais se calou e frequentemente usa as redes sociais, atualizadas por aliados, para manter sua campanha política extraoficial. O Kremlin, porém, não desiste de tentar silenciá-lo. A cartada mais recente foi enviá-lo para congelar em uma prisão no Ártico, ainda mais distante de Moscou e sob condições que, a longo prazo, podem comprometer a saúde física e mental de um indivíduo.

Igor “Strelkov” Girkin cometeu o mesmo pecado de Navalny e Prigozhin: rivalizou com Putin. O nacionalista foi um importante comandante das forças separatistas pró-Moscou que lutaram pela independência de Donetsk em 2014, mas virou-se contra o governo russo quando passou a classificar como “muito gentil” a estratégia do país na guerra da Ucrânia, segundo o jornal The Moscow Times.

Conforme as críticas aumentavam, a ponto de chamar Putin de “crápula”, segundo o site Observador, Strelkov entrou na lista de alvos do governo russo e acabou preso em julho por “extremismo”. Bastante popular entre seus seguidores e especialmente influente no meio militar, com suas postagens no Telegram, resolveu apostar ainda mais alto e se lançou extraoficialmente como candidato à presidência.

A popularidade dele é tamanha que cerca de 300 seguidores realizaram no final de semana passado um evento público de apoio, desafiando assim a repressão estatal. Como Navalny, Strelkov não dá sinais de que se calará, o que faz dele um forte candidato a ter o mesmo destino que Prigozhin.

Igor “Strelkov” Girkin, ex-comandante de milícia ucraniana pró-Moscou (Foto: Dom Kobb/WikiCommons)
Cortando o mal pela raiz

Com Prigozhin morto e Strelkov na oposição, o ex-presidente Dmitry Medvedev é hoje o mais vocal dos aliados de Putin. Vice de Patrushev no Conselho de Segurança Nacional, defende ferozmente a atuação russa na Ucrânia e invariavelmente usa o arsenal nuclear do país para ameaçar o Ocidente. Jamais falou contra Putin e não dá sinais de que pretenda voltar à presidência. Mas o dele nome, naturalmente, surge como uma das possibilidades para a sucessão.

Os arroubos de nacionalismo e beligerância tiraram Medvedev do esquecimento. Por outro lado, talvez o tenham colocado na mira do Kremlin. Um indício de que ele precisa sair dos holofotes é a prisão de dois aliados dele, cuja relação com o ex-presidente não foi capaz de livrar da cadeira. De acordo com a revista Newsweek, seriam medidas preventivas do Kremlin, “ligadas à próxima candidatura de Vladimir Putin”  à presidência, no pleito do próximo ano.

Um dos detidos é o ex-ministro dos Assuntos Governamentais Abertos Mikhail Abyzov, membro do gabinete de Medvedev quando primeiro-ministro. Ele é visto pelo Kremlin como um reformista, está preso desde 2019 e viu recentemente os promotores pedirem uma pena de mais de 19 anos de reclusão. Tende a ser mantido longe dos holofotes enquanto for visto como uma possível ameaça, e nem o ex-presidente parece ter poder para livrá-lo.

O outro aliado de Medvedev encarcerado é Nikita Belykh, ex-governador da região de Kirov e acusado de abusos de poder no período em que ocupou o cargo. A acusação pediu, no início de dezembro, uma pena de 12 anos de prisão, mas ele acabou perdoado pouco depois e será libertado em junho, uma decisão que, sob o ponto de vista jurídico, os analistas russos têm dificuldade para explicar. Talvez apenas Putin possa esclarecer o que houve.

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