Entrevista: ‘Belarus superou o atual regime’, diz Sviatlana Tsikhanouskaia

Confira entrevista com líder de um dos maiores movimentos democráticos de Belarus e hoje vive em exílio na Lituânia

por Cristiane Noberto

Quando o blogueiro e ativista político de Belarus Syarhey Tikhanovski, foi preso em julho de 2020 ao tentar concorrer à Presidência, sua esposa Sviatlana Tsikhanouskaia assumiu seu lugar. Hoje, a ex-dona de casa é líder de um dos maiores movimentos democráticos desde o fim da União Soviética, em 1991. Mas apenas um ano antes, seu nome nunca havia sido ouvido nos movimentos políticos do país.

Tsikhanouskaia recebeu 20% dos votos nas eleições de 9 de agosto, e foi na sequência forçada ao exílio na vizinha Lituânia. O que se seguiu foi uma onda de revolta popular e de acusações de fraude no pleito, no qual Aleksander Lukashenko reivindicou vitória e um sexto mandato consecutivo – o atual presidente está no poder desde 1994. 

“Embora ele queira forçar as pessoas a voltar ao passado, a sociedade superou o regime e quer seguir em frente”, afirmou Tsikhanouskaia sobre Lukashenko, que assumiu o cargo na esteira da dissolução do sistema comunista.

Em pouco tempo, a professora e dona de casa se tornou a principal voz pela democracia no país. Foi reconhecida com o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, concedido pelo Parlamento Europeu, além de uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz.

Svetlana Tikhanovskaya conversou com A Referência sobre ativismo, futuro e democracia. Confira:

A líder da oposição em Belarus, Sviatlana Tsikhanouskaia, em fala no Ministério de Relações Exteriores da Estônia, janeiro de 2021 (Foto: Divulgação/Estonian Foreign Ministry)

Como era a oposição no período soviético e como está agora?

Não havia oposição sistêmica na União Soviética, apenas o Partido Comunista era permitido. O controle sobre a sociedade era total. Houve dissidentes, mas eles nunca se tornaram um movimento.

Na nossa situação, não consideramos o nosso movimento como oposição. Somos a maioria que votou em massa na minha candidatura nas eleições. Enxergo mais como um movimento com um líder que tem legitimidade entre os belarussos e na comunidade internacional. Dentro deste movimento, existem várias estruturas políticas, uma dúzia de iniciativas profissionais e centenas de grupos de apoio baseados em Belarus.

Dentro de nossa estratégia, todos os participantes iniciam e coordenam várias atividades e campanhas que levam ao objetivo final de trazer eleições democráticas ao país.

Quando você decidiu que enfrentaria Lukashenko? Houve alguma influência do seu marido?

Foi minha decisão espontânea de lançar uma campanha presidencial. Fiquei chateada porque meu marido, que basicamente impulsionou a campanha política e mobilizou eleitores em toda Belarus, teve negada sua chance de ser registrado. As autoridades se recusaram até mesmo a aceitar seus papéis enquanto ele estava preso. Eu não tive a chance de discutir isso com ele, então a decisão foi toda minha.

O que aconteceu quando você foi para o exílio? Você teve medo?

Os primeiros dias foram muito difíceis emocionalmente. Em pouco tempo, vários membros da equipe se juntaram a mim em Vilnius [capital da Lituânia], avaliamos a situação e decidimos que a luta deveria continuar. Não foi uma decisão fácil, visto que não tive uma verdadeira experiência política nem formação para tal. Fui forçada pela KGB [serviço de inteligência belarusso*] a deixar Belarus e meu marido, na prisão, totalmente sob o controle do governo. Isso sem contar que a resposta do regime aos manifestantes pacíficos foi terrível.

Foi quando começamos a receber os primeiros relatos de prisões em massa, numerosos casos de espancamento e tortura. Houve relatos sobre pessoas mortas e desaparecidas. Foi um período muito intenso e minha equipe teve que tomar uma infinidade de decisões todos os dias.

Existe alguma construção de um partido político de oposição? Você está à frente disso?

Este é um dos meus objetivos finais: levar Belarus a eleições livres e justas que sejam reconhecidas pelo próprio povo. Isso resolverá a crise política no país. Por isso, na minha opinião, a criação de um partido político pode se tornar uma distração e pode afetar a dinâmica do movimento.

Acho que devemos primeiro resolver a tarefa principal: conseguir a libertação dos presos políticos e marcar uma data para novas eleições justas e, depois vem a criação de partidos para que todos estejam em igualdade de condições, incluindo os candidatos que agora estão atrás das grades.

A oposição em Belarus foi inviabilizada por Lukashenko. Você acredita que a sociedade do país está preparada e realmente deseja mudanças em prol da democracia?

Já se passaram mais de sete meses de protestos diários em face da violência e da ilegalidade. Este é o indicador mais importante de como as pessoas se sentem em relação a este regime, que é ilegítimo, não representa a vontade das pessoas e deve mudar. Vimos um aumento incrível no interesse das pessoas em discutir os problemas em andamento e, em conjunto, encontrar as soluções e implementá-las. Os belarussos querem participar do governo do país, eles não querem mais terceirizar essa função para o governante ilegítimo. Embora ele queira forçar as pessoas a voltar ao passado, a sociedade superou o regime e quer seguir em frente.

Com Lukashenko fora, qual seria o próximo passo? Há alguém para competir com você?

A situação permanece incerta sobre como irá evoluir entre agora e as novas eleições, que queremos para o outono deste ano. Agora, todas as forças democráticas estão bastante unidas em seu entendimento de que ainda não é chegado o momento da competição política, uma vez que precisamos dar vários passos importantes antes que se chegue a um esforço realista e oportuno. Essas etapas exigem nossa união e foco no objetivo principal.

Como você acha que deveria ser a democracia em seu país? E como você trabalhará para que esse modelo aconteça? Você vai concorrer à Presidência ou preencher um possível governo de transição?

Estamos preparando o anteprojeto da nova Constituição, que prevê a mudança do modelo da república presidencialista para o modelo parlamentar-presidencialista. Esta ainda não é a decisão final, pois ainda estamos para passar pelo amplo processo de consulta.

Quanto aos meus próprios planos, estou totalmente concentrada em alcançar o objetivo de realizar novas eleições em Belarus e penso que qualquer novos planos políticos seriam prejudiciais para a minha posição e sua eficácia. Como etapa preliminar desse processo, estamos promovendo uma campanha para convencer o regime de que é hora de iniciar as negociações para resolver a crise política, que se deteriora. Um dos cenários prevê que eu possa prestar juramento de posse e chefiar um governo de transição.

No ano passado, vimos o aumento da presença feminina na política belarussa. Como você vê sua posição neste contexto? 

Muitas mulheres belarussas já seguiram nesse caminho. Não fui a primeira mulher na política bielorrussa, mas os protestos abriram as portas para uma enxurrada de ativismo feminino, tanto nas grandes massas quanto na liderança individual. Elas adicionaram nova energia, novos visuais, novos símbolos e nova criatividade ao movimento democrático em Belarus. Procuro sempre destacar essa parte da nossa revolução.

Mas quando estou desempenhando minhas funções internacionais, falo em nome de todos os belarussos, mulheres e homens. Embora o interesse pelo papel das mulheres na revolução de Belarus permaneça constantemente alto.

* Erramos: este texto foi atualizado e, diferente do informado, a KGB é um serviço de inteligência e não polícia.

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