Especialistas da ONU confirmam: ‘Crimes de guerra foram cometidos na Ucrânia’

Evidências indicam casos de agressão, choques elétricos e nudez forçada em centros de detenção gerenciados por Moscou

Crimes de guerra foram cometidos por tropas russas na Ucrânia desde o início do conflito na Europa, no dia o dia 24 de fevereiro. A constatação é de um grupo de especialistas em direitos humanos designados pela ONU (Organização das Nações Unidas) que se manifestou nesta sexta-feira (23), de acordo com a agência Associated Press.

Vinte e sete cidades e assentamentos foram visitados pela delegação, além de túmulos e centros de detenção e tortura. Mais de 150 vítimas e testemunhas foram ouvidas, bem como grupos de defesa dos direitos humanos e funcionários estatais.

“Com base nas evidências reunidas pela comissão, conclui-se que crimes de guerra foram cometidos na Ucrânia”, afirmou Erik Mose, que lidera a equipe.

O grupo concentrou as investigações em quatro regiões ucranianas, Kiev, Chernihiv, Kharkiv e Sumy. E diz que as principais evidências contra os russos coletadas até agora estão atreladas a casos de agressão, choques elétricos e nudez forçada em centros de detenção gerenciados por Moscou.

Mose atribuiu às forças russas também casos de agressões sexuais, tendo como vítimas desde meninas de 4 anos de idade até mulheres de 82. Foram relatados ainda dois episódios de agressões cometidas por ucranianos contra soldados russos.

Ao comentar os muitos assassinatos de civis sob investigação, ele não citou qual dos dois lados da guerra teria sido responsável. “Ficamos impressionados com o grande número de execuções nas áreas que visitamos. A comissão está investigando essas mortes em 16 cidades e assentamentos”, disse.

Família caminha no meio de tanques russos destruídos em Bucha, arredores de Kiev (Foto: manhhai/Flickr)
Bucha e Izyum

Um dos locais por onde a equipe passou, ao longo de dez dias no mês de junho, foi a cidade de Bucha, nos arredores de Kiev. Ali, os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

Já neste mês de setembro, na cidade de Izyum, região de Kharkiv, foi encontrada uma vala comum com cerca de 450 corpos, segundo autoridades ucranianas. Kiev retomou a área dos russos graças a uma contraofensiva que devolveu milhares de quilômetros quadrados ao controle da Ucrânia.

“A Rússia está deixando a morte para trás em todos os lugares e deve ser responsabilizada”, disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy. “Bucha, Mariupol e agora, infelizmente, Izyum”, prosseguiu, citando outras cidades igualmente destruídas por Moscou e com sinais de crimes de guerra.

As evidências coletadas pela equipe de Mose podem ser usadas por cortes internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), para julgar futuros casos de crimes de guerra.

Por que isso importa?

No início de agosto, o governo ucraniano disse que estão em andamento investigações de quase 26 mil crimes de guerra atribuídos às tropas russas durante o conflito. Segundo a procuradoria-geral do país, 135 pessoas estariam ligadas a esses crimes, sendo que 15 acusados estão sob custódia.

Yuriy Bilousov, chefe do departamento de crimes de guerra da procuradoria-geral ucraniana, disse que 13 casos de violação do direito internacional já foram levados aos tribunais, com sete sentenças emitidas. Entre elas a do soldado russo Vadim Shishimarin, primeiro militar a enfrentar um processo do gênero em quase meio ano de conflito. Ele foi condenado à prisão perpétua em maio, por matar um civil desarmado no dia 28 de fevereiro. 

As investigações de crimes de guerra conduzidas por Kiev contam com o suporte ocidental, que ajuda a financiar os esforços do governo ucraniano e também tem suas próprias equipes em ação. A Alemanha, por exemplo, disse no final de junho que analisa centenas de crimes de guerra possivelmente cometidos por tropas da Rússia.

Na mira das autoridades alemãs não estariam apenas os soldados do exército russo diretamente acusados de tais crimes. Também estariam sob investigação oficiais de alta patente e políticos suspeitos de ordenar os abusos.

Quem atua igualmente nesse sentido é o TPI, que vê na guerra uma forma de reduzir as críticas recebidas desde sua fundação, há 20 anos. Nesse período, a corte conseguiu apenas três condenações por crimes de guerra e outras cinco por interferência na Justiça.

O TPI afirmou inclusive que planeja abrir ainda neste ano o primeiro caso contra as forças armadas da Rússia. Não foram revelados detalhes de qual poderia ser este primeiro processo, embora venha sendo debatida com Kiev a entrega de pelo menos um oficial russo ao tribunal. Trata-se de um prisioneiro de guerra disposto a testemunhar contra altos comandantes russos. 

No início de junho, a Comissão Europeia anunciou que destinaria 7,25 milhões de euros ao TPI, a fim de apoiar as investigações. “Neste contexto, é crucial garantir o armazenamento seguro de provas fora da Ucrânia, bem como apoiar as investigações e processos por várias autoridades judiciárias europeias e internacionais”, disse o órgão na ocasião.

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