Criticado, TPI completa 20 anos e vê guerra na Ucrânia como divisor de águas

Omissão em casos envolvendo potências ocidentais é o maior motivo de críticas ao órgão, que tem 17 investigações ativas

Mobilizado para investigar e futuramente julgar os abusos cometidos na guerra na Ucrânia, o Tribunal Penal Internacional (TPI) completou 20 anos de existência na última sexta-feira (1º). Alvo de críticas nos últimos anos, sobretudo por se eximir de investigar potências ocidentais, a corte tem o conflito na Europa como um teste de sobrevivência. As informações são da agência Associated Press.

“O TPI é a pedra angular agora de como lidamos com crimes de atrocidade em nível internacional”, disse David Crane, ex-promotor-chefe do TPI. “Com a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia, o TPI deve liderar a responsabilização do presidente Vladimir Putin. Este é o momento do TPI. Eles têm que acertar isso”.

Ao longo de 20 anos de atuação, a corte conseguiu apenas três condenações por crimes de guerra e outras cinco por interferência na Justiça. Habitualmente, o maior desafio é conduzir os acusados a Haia, onde fica a sede. Isso porque o TPI não tem uma força policial própria e depende da atuação das autoridades nacionais para realizar detenções.

Sede do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda (Foto: Flickr)
As falhas do tribunal

A ONG Anistia Internacional lista omissões relevantes do TPI. “Por exemplo, em 2020, o Gabinete do Procurador decidiu não investigar crimes de guerra cometidos por forças do Reino Unido no Iraque, apesar de sua própria constatação de que esses crimes haviam sido cometidos”, disse a entidade.

Outro caso foi o da guerra no Afeganistão, na qual foram ignorados possíveis crimes dos EUA e do Afeganistão, sob o argumento de que era inviável e muito caro. “Mas, apenas seis meses depois, o procurador lançou a maior investigação de sempre do seu gabinete na Ucrânia, para a qual tinha pedido ajuda financeira ‘voluntária’ dos Estados-Membros – grande parte da qual foi ‘destinada’ pelos Estados para a investigação da Ucrânia”, afirmou a Anistia.

O próprio Crane admite que a corte “tropeçou de tempos em tempos, causando uma reputação mista de viabilidade”. Porém, a classificou como “um esforço internacional digno que deve ser apoiado”.

Atualmente, o TPI tem investigações em andamento em 17 nações e 123 países-membros, mas não conta com três superpotências: EUA, China e Rússia. E o orçamento para manter o órgão em funcionamento é alto: US$155 milhões para 2022 e mais de US$ 2,2 bilhões gastos ao longo das últimas duas décadas.

A ausência da Rússia é um dos problemas que a corte precisará enfrentar caso venha a condenar cidadãos russos por crimes de guerra. Isso porque dificilmente Moscou disponibilizará voluntariamente os acusados para que cumpram suas penas.

Desconfianças à parte, o atual promotor-chefe, Kaim Khan, faz uma análise positiva do momento vivido pelo TPI. “Se trabalharmos de forma coletiva, estou confiante de que a justiça internacional pode acelerar e avançar e ter o impacto necessário”, afirmou.

Nesse sentido, a Anistia Internacional também enxerga a guerra na Ucrânia como um divisor de águas. “A resposta à situação na Ucrânia mostrou do que o TPI é capaz. Apelamos agora ao gabinete do procurador e aos Estados-Membros para que assegurem que todas as investigações recebam o mesmo padrão de tratamento, para que todas as vítimas de crimes internacionais tenham igual acesso à Justiça”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da ONG.

Crane também enxerga o caso como decisivo para o futuro do tribunal. “O que o TPI faz com seu trabalho na Ucrânia é um momento de fazer ou quebrar”, declarou o ex-promotor-chefe do órgão.

Tags: