Administração de presídio armou esquema para isolar e desmoralizar Alexei Navalny

Dois ex-presidiários revelaram as estratégias usadas para tornar o mais difícil possível o cumprimento da pena pelo principal opositor de Putin

Um esquema especial foi organizado para abalar emocionalmente o oposicionista russo Alexei Navalny no presídio onde está detido, o IK-2, 100 quilômetros a leste de Moscou. A revelação foi feita por dois ex-presidiários em entrevista à emissora de televisão russa Dozhd, classificada como “agente estrangeiro” por uma série de matérias críticas ao governo. As informações são da Radio Free Europe.

Segundo Nariman Osmanov e Evgeny Burak, a principal determinação dentro do presídio era para isolar Navalny e em momento algum se comunicar com ele, a fim de tentar vencê-lo pelo isolamento. Também foram adotadas medidas diversas no intuito de desmoralizar o principal opositor do presidente Vladimir Putin, que cumpre pena de dois anos e meio iniciada em fevereiro.

A fim de desencorajar qualquer interação social, teria sido exibido um vídeo afirmando que Navalny é gay, o que habitualmente leva ao isolamento no sistema carcerário russo. Adicionalmente, um grupo de cerca de dez homens foi destacado para seguir o oposicionista o tempo todo, provocando-o sempre que possível. O objetivo era forçar uma reação violenta e, assim, permitir punições administrativas ou mesmo novas acusações.

Administração armou esquema para isolar  e desmoralizar Navalny em presídio russo
Alexei Navalny é preso durante manifestação anticorrupção em Moscou, março de 2017 (Foto: Divulgação/Evgeny Feldman)

Também partiu da administração do presídio a ordem para atrapalhar o sono de Navalny, com um preso destacado para fazer barulhos irritantes a noite toda. A situação levou o oposicionista a uma greve de fome em abril deste ano, que também gerou reação dentro do presídio. Para mexer com os sentidos do oposicionista e tentar dar fim ao protesto, que vinha atraindo negativamente a atenção global, presos chegaram a fritar linguiça ao lado da cela dele.

Provocações desmentidas

De acordo com o site independente russo Meduza.io, um watchdog russo chamado Comissão de Monitoramento Público, da região onde fica o presídio IK-2, questionou a veracidade das alegações dos dois ex-presidiários. Sergey Yazhan, membro do grupo, afirmou que “tudo isso é apenas conversa. Só sei que está tudo bem com [Navalny], a julgar pelas informações mais recentes”.

No mês passado, Navalny usou sua conta no Instagram, atualizada por aliados e advogados, para contar que foi classificado como “extremista e terrorista” por uma comissão formada dentro da prisão. Devido à designação, ele passou a usar um uniforme diferente e teve a tal classificação estampada na cela que ocupa. Por outro lado, contou com satisfação que foram reduzidas as checagens noturnas, o que permitiu a ele dormir melhor.

Abusos em presídios

No início de outubro, o grupo de direitos humanos Gulagu.net revelou ter recebido mais de mil vídeos que mostram prisioneiros sendo espancados e torturados dentro de presídios por agentes da FSB (Agência Nacional de Segurança, da sigla em inglês) e do Serviço Prisional Federal (FSIN, da sigla em russo).

O delator é o belarusso Sergei Savelyev, um profissional de TI (tecnologia da informação) e ex-presidiário colocado em liberdade em fevereiro deste ano. Ele cumpriu pena por tráfico de drogas e ficou detido por sete anos e meio, período no qual armazenou os vídeos enquanto trabalhava com manutenção de computadores na cadeia. Atualmente, busca asilo político na França.

Administração armou esquema para isolar  e desmoralizar Navalny em presídio russo
Sergei Savelyev vazou os vídeos que mostram abusos diversos contra detentos em prisões russas (Foto: reprodução/Gulagu.net)

As imagens mostram episódios de violência em várias penitenciárias, incluindo cenas de prisioneiros urinando em outros e imagens explícitas de abuso sexual. Uma cena mostra um prisioneiro gritando enquanto é estuprado com um cabo de vassoura.

Após a denúncia, uma investigação resultou na demissão de vários funcionários, entre eles o diretor de uma prisão onde foram relatados abusos, o chefe do serviço penitenciário regional e mais três funcionários do FSIN.

Entre 2018 e 2020, pelo menos 200 presidiários teriam sido vítimas de tortura e estupro por agentes da FSB e do FSIN nos hospitais de penitenciárias das cidades de Saratov e Irkutsk. As imagens mostram maus tratos praticados contra 40 deles. 

Por que isso importa?

Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A principal plataforma do oposicionista é o combate à corrupção no governo de Vladimir Putin, em virtude da qual ele uma cobra profunda reforma na estrutura política do país.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Voltou a Moscou em janeiro de 2021 e foi detido ainda no aeroporto. Em fevereiro, foi julgado e condenado a dois anos e meio de prisão por violar uma sentença suspensa de 2014, quando foi acusado de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril, para protestar contra a falta de atendimento médico. Em junho de 2021, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua Fundação Anticorrupção de funcionarem, classificando-as como “extremistas”.

Em agosto, a Justiça russa abriu uma nova acusação criminal contra o oposicionista, o que poderia ampliar a sentença de prisão dele em três anos. Ele foi acusado de “incentivar cidadãos a cometerem atos ilegais”, por meio da Fundação Anticorrupção (FBK) que ele criou. Mais recentemente, em setembro, uma terceira acusação contra, por “extremismo”, ameaça estender o encarceramento por até uma década.

Caso seja condenado em alguma das novas acusações, Navalny será mantido sob custódia no mínimo até o fim da próxima eleição presidencial, em 2024, quando chega ao fim o atual mandato de seis anos de Vladimir Putin no Kremlin.

Tags: