Holanda diz que frustrou planos de espião russo que buscava estágio em Haia

Com documentos brasileiros, Sergey Cherkasov se apresentava como Viktor Muller Ferreira, dono de um currículo impecável

O serviço secreto holandês (AIVD) anunciou na quinta-feira (16) que frustrou a tentativa de entrada de um espião russo no TPI (Tribunal Penal Internacional), em Haia, na Holanda. Segundo as autoridades, o homem, que se passava por um brasileiro candidato a estagiário, tentou obter acesso a informações sobre supostos crimes de guerra cometidos na Ucrânia e na Geórgia em 2008. As informações são do jornal The Washington Post.

“Ele foi enviado de volta ao Brasil no primeiro voo”, revelou a agência de contraespionagem holandesa sobre os eventos, ocorridos em abril.

Identificado como Sergey Vladimirovich Cherkasov, de 36 anos, o homem usou uma identidade brasileira falsa – se fazendo passar por Viktor Muller Ferreira, 33 anos – para viajar do Brasil aos Países Baixos, detalhou o AIVD em comunicado. O TPI foi também informado da situação.

Sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia (Foto: UN Photo/Rick Bajornas)

Contas vinculadas ao suposto agente de inteligência russo nas redes sociais indicam uma formação acadêmica prestigiada, com passagem pelas principais instituições da Europa e dos Estados Unidos. Entre elas a Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington, um renomado centro de estudos que forma grandes nomes de política externa.

De acordo com o chefe de inteligência holandês, Erik Akerboom, a formação de excelência de Cherkasov era parte de um plano para inserir o espião em uma operação do GRU (inteligência militar russa) “de longo prazo e de vários anos que custou [à Rússia] muito tempo, energia e dinheiro”, repercutiu a revista de relações internacionais The National Interest

“A operação nos mostra claramente o que os russos estão fazendo: tentando obter acesso ilegal a informações dentro do TPI. Classificamos isso como uma ameaça de alto nível”, disse Akerboom.

Depois de desmascará-lo, o governo holandês o declarou “estrangeiro indesejável” e o deportou para o Brasil, onde ele já morou e enfrenta acusações criminais. 

O TPI investiga supostos crimes de guerra cometidos na Ucrânia desde o início da invasão russa em 24 de fevereiro. No começo deste mês, a Comissão Europeia anunciou a destinação de 7,25 milhões de euros ao Tribunal, a fim de apoiar as investigações de abusos cometidos por tropas da Rússia na Ucrânia.

“Não pode haver impunidade pelos crimes cometidos durante a ocupação russa. As investigações do Tribunal Penal Internacional são cruciais para garantir a responsabilização e a justiça pelos crimes hediondos cometidos na Ucrânia”, afirmou o vice-presidente da Comissão, Josep Borrell.

O Kremlin, que raramente reconhece operações de espionagem nos Estados Unidos e na Europa, não comentou a prisão de Cherkasov.

O massacre de Bucha

A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.

Civis mortos nas ruas de Bucha cidade ucraniana (Foto: reprodução/Twitter)

Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.

Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.

Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.

“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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