Importante figura do movimento antiguerra na Rússia, jornalista foge do país

Marina Ovsyannikova ganhou fama global ao realizar um protesto contra o conflito durante um telejornal na TV estatal

A jornalista Marina Ovsyannikova, uma das principais figuras do movimento antiguerra na Rússia, deixou o país após ter seu nome incluído na lista de criminosos procurados. A informação foi confirmada pelo advogado dela, Dmitry Zakhvatov, e reproduzida pelo jornal independente The Moscow Times.

No início do mês, o Ministério do Interior colocou o nome dela na relação de procurados, e o marido revelou que ela havia decidido fugir com a filha. Entretanto, não informou na ocasião para onde as duas haviam ido, sequer disse se continuavam na Rússia ou se haviam viajado para o exterior.

Agora, o advogado da jornalista confirmou a fuga internacional. “Marina Ovsyannikova foi forçada a deixar a Rússia e agora está segura, sob a proteção de um país europeu”, disse Zakhvatov, que por questões de segurança não relevou o destino da jornalista.

Ovsyannikova no protesto ao vivo durante telejornal (Foto: Piervy Kanal/Captura de tela)

A manifestação que deu fama à jornalista ocorreu em 14 de março. Com a transmissão de um telejornal da emissora estatal Canal 1 (Piervy Kanal) no ar, ela surgiu repentinamente atrás da apresentadora com um cartaz escrito em russo e inglês: “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ovsyannikova ficou no ar durante alguns segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 2,23 mil, no câmbio atual). Mais tarde, ela anunciou que havia pedido demissão e chegou a deixar o país, tendo inclusive morado na Ucrânia e trabalhado como correspondente do jornal alemão Die Welt. Ela voltou à Rússia em julho e diz que chegou a recusar uma oferta de asilo político na França.

Em agosto, Ovsyannikova foi condenada a prisão domiciliar após uma manifestação solitária em frente ao Kremlin. Na ocasião, ela exibiu um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e as palavras “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”. No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas.

Este protesto levou as autoridades a acusá-la com base na lei que prevê punições a quem “desacreditar o uso das forças armadas”. Além de correr o risco de ser presa por até dez anos, Ovsyannikova recebeu duas multas. Na mais recente, em julho, foi condenada a pagar 50 mil rublos (R$ 4,2 mil).

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

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