Maior vitória ucraniana completa dois anos com Kiev em situação delicada na guerra

Rússia se adaptou à nova realidade, superou os desafios do conflito longo e vê a Ucrânia com dificuldade para se defender

O afundamento do cruzador Moskva, orgulho da frota russa, em 14 de abril de 2022, é ainda hoje a maior vitória conquistada pela Ucrânia na guerra contra a Rússia. É bem verdade que a Marinha de Moscou foi duramente atingida de lá para cá, e Kiev calcula que o rival perdeu até um terço de suas embarcações no conflito. Porém, o momento atual não permite celebrações do lado ucraniano, e mesmo entre seus aliados há quem diga que uma derrota pode começar a se desenhar ainda neste ano.

Quando o Mosvka veio a pique, a Rússia tratou de fortalecer uma narrativa desmentindo que tivesse sido afundado. Ainda insiste em dizer que foi destruído por um incêndio no depósito de munições, versão devidamente desmentida pelos serviços de inteligência ocidentais, segundo os quais mísseis de cruzeiro disparados pelas forças ucranianas destruíram o navio.

Aquela conquista encorajou a Ucrânia a seguir atacando a Marinha russa, a ponto de celebrar novamente o sucesso de uma operação do gênero em setembro de 2023, quando um grande bombardeio atingiu uma base usada em Sebastopol, na Crimeia. Kiev alegou à época ter atingido ao menos um navio de desembarque e um submarino, além de um estaleiro realizavam-se reparos em embarcações avariadas.

Soldado ucraniano fuma ao lado deveículo blindado perto de Kharkiv, Ucrânia (Foto: manhhai/Flickr)

No domingo (14), data em que o afundamento do Moskva completou dois anos, o Ministério da Defesa da Ucrânia usou seu perfil na rede social X, antigo Twitter, para celebrar. Usou um bom-humor que parece incompatível com o atual momento do conflito.

“Há dois anos, guerreiros ucranianos destruíram o maior navio de guerra da Frota Russa do Mar Negro – o cruzador Moskva. Os militares ucranianos atingiram o cruzador russo com mísseis de cruzeiro Neptune na área da Ilha da Cobra e infligiram-lhe graves danos. O cruzador afundou enquanto era rebocado para o porto de destino. A questão mais importante é: como está o Moskva no fundo do Mar Negro?”, disse Kiev no X.

O general britânico Sir Richard Barrons é um que não vê qualquer motivo para celebrações por parte de Kiev neste momento. Segundo ele, que concedeu entrevista à rede BBC, parece cada vez mais próximo o momento em que os ucranianos notarão “que não podem vencer” a guerra.

Ao justificar seu pessimismo, ele usou a mesma matemática citada na semana pelo general norte-americano Christopher Cavoli, chefe do Comando Europeu das Forças Armadas dos EUA. Segundo ambos, a falta de munição força a Ucrânia hoje a enfrentar uma vantagem de cinco para um da Rússia em termos de disparos. Ou seja, cada disparo de artilharia ucraniano é respondido por cinco do lado russo.

“Estamos vendo a Rússia atacar na linha de frente, empregando uma vantagem de cinco para um em artilharia, munições e um excedente de pessoas reforçado pelo uso de armas mais recentes”, disse Barrons. “Em algum momento deste verão esperamos ver uma grande ofensiva russa, com a intenção de fazer mais do que avançar com pequenos ganhos para talvez tentar romper as linhas ucranianas.”

Parte dessa vantagem russa se deve à interrupção de apoio norte-americano, com o Congresso dos EUA hesitante em enviar mais dinheiro, armas e munição ao aliado conforme se aproxima a eleição presidencial no país e aquece a disputa entre os partidos Republicano e Democrata.

Mas há também um outro lado da questão. A Rússia se adaptou ao conflito longo e tem sua indústria totalmente voltada aos esforços de guerra, com as fábricas de munições funcionando ininterruptamente. Assim, tem condições de produzir 250 mil munições de artilharia por mês, o que equivale a três milhões por ano. Mesmo somando esforços, os EUA e a Europa chegam a apenas 1,2 milhão ao ano.

Um outro ponto, destacado recentemente em reportagem da rede CNN, é o apoio da China. Por mais que negue fornecer armas ou itens civis com fins militares, Beijing foi crucial para a expansão da indústria de defesa russa. Para tanto, fornece tecnologia usada em mísseis de cruzeiro, motores para drones e maquinário pesado, segundo relatos de autoridades norte-americanas.

“Uma das medidas mais inovadoras que temos neste momento para apoiar a Ucrânia é persuadir a RPC (República Popular da China) a parar de ajudar a Rússia a reconstituir a sua base industrial militar. A Rússia teria dificuldades para sustentar o seu esforço de guerra sem a contribuição da RPC”, disse um alto funcionário do governo dos EUA, acrescentando que “os materiais chineses estão preenchendo lacunas críticas no ciclo de produção de defesa da Rússia.”

Tal cenário encoraja Moscou a preparar a ofensiva prevista por Barrons. Jack Watling, analista de guerra terrestre no think tank britânico o Royal United Services Institute (Rusi), concorda com o militar e diz que cabe à Rússia apenas decidir onde começará o ataque.

“Os militares ucranianos perderão terreno. A questão é: quanto e quais centros populacionais serão afetados?”, afirmou Watling à BBC, fazendo então uma projeção menos pessimista para Kiev. “Esta ofensiva não encerrará o conflito de forma decisiva, independentemente de como for para qualquer um dos lados.”

Ambos, entretanto, concordam que Moscou tem uma ótima oportunidade de mudar o cenário do conflito e colocar os ucranianos contra a parede. De acordo com Watling, o objetivo principal dos russos é “tentar gerar uma sensação de desesperança” no inimigo.

Barrons, então, questiona até que ponto a Ucrânia teria forças para resistir daí em diante: “Por que as pessoas continuarão querendo lutar e morrer, apenas para defender o indefensável?”

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