Cerca de 90 mil soldados foram mobilizados para o maior exercício de guerra da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) desde os tempos de Guerra Fria, que terá início na próxima semana e se estenderá até maio. Embora não cite a Rússia ao justificar as manobras, é clara a preocupação com o país liderado pelo presidente Vladimir Putin, a ponto de uma autoridade da aliança repetir a projeção de uma guerra entre os dois lados, algo que tem se tornado corriqueiro. As informações são da agência Reuters.
O exercício Steadfast Defender (Defensor Firme, em tradução literal) ocorre periodicamente, e a edição 2024 servirá para a aliança testar como as tropas norte-americanas poderiam atuar em defesa da Europa no caso de um eventual conflito.
Serão utilizados 50 navios, entre eles porta-aviões e destroieres, 80 aeronaves, como jatos e helicópteros, e 1,1 mil veículos terrestres, inclusive 133 tanques blindados. Todos os 31 países-membros participarão, bem como a Suécia, parceira da aliança e cuja associação deve ocorrer neste ano.
“O Steadfast Defender 2024 demonstrará a capacidade da Otan de enviar rapidamente forças da América do Norte e de outras partes da aliança para reforçar a defesa da Europa”, diz comunicado da entidade.
Na comparação com exercícios militares anteriores, a Otan diz que em apenas duas ocasiões reuniu contingentes tão grandes. O maior deles em 1988, em plena Guerra Fria, com 125 tropas. O mais recente, em 2018, contou com 50 mil, quase a metade do efetivo usado em 2024.
A mobilização acima do normal pode ser explicada sobretudo pela apreensão gerada pela guerra da Ucrânia, vez que a Rússia foi citada no mais recente documento estratégico da Otan como a maior ameaça à segurança dos países-membros.
Moscou não aparece nominalmente no anúncio das manobras, que simularão um cenário “de conflito emergente com um adversário próximo.” Mas a referência é evidente. Tanto que o almirante Rob Bauer, chefe do Comitê Militar da Otan, voltou a falar em uma guerra entre a aliança e a Rússia, embora com um prazo mais extenso que projeções anteriores.
Nesse sentido, o oficial citou o exemplo positivo da Suécia, que passou a alertar seus cidadãos para o risco de guerra e recomendou que fiquem de prontidão. Carl-Oskar Bohlin, ministro sueco da Defesa Civil, esclareceu que o alerta não tem a intenção de criar medo, mas sim de promover a “consciência situacional”, conforme repercutiu a revista Newsweek.
Bauer aprovou a medida. “Temos que perceber que não é um dado adquirido que estamos em paz. E é por isso que [nossas forças] estão se preparando para um conflito com a Rússia”, disse ele, segundo o jornal The Times. “Tudo começa aí. Na percepção de que nem tudo pode ser planejado, nem tudo será ótimo nos próximos 20 anos.”
A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, é outra que projeta um confronto com Moscou. Segundo ela, porém, a aliança deve estar pronta para que isso aconteça em um prazo bem mais curto.
“A nossa inteligência estima que seja de três a cinco anos (o prazo para o ataque russo), e isso depende muito de como gerimos a nossa unidade e mantemos a nossa postura em relação à Ucrânia”, afirmou Kallas em entrevista ao The Times. “Porque o que a Rússia quer é uma pausa, e esta pausa é para reunir os seus recursos e forças. A fraqueza provoca agressores, então a fraqueza provoca a Rússia.”
Investimento em Defesa
Além do exercício militar, a Otan adotou outras medidas recentemente que indicam o quanto a ameaça russa é levada a sério. Entre elas, conceder aos EUA acesso a 15 bases militares na Finlândia, país que em 2023 aderiu à aliança e garantiu a ela uma posição privilegiada, vez que o território da nação escandinava compartilha uma fronteira de cerca de 1,34 mil quilômetros com a Rússia.
Acordo semelhante foi firmado com a Suécia, que em 2024 pode se tornar igualmente membro da Otan, faltando para isso somente as aprovações de Turquia e Hungria. De acordo com o governo finlandês, pactos de defesa como esses não beneficiam apenas os anfitriões, mas também “apoiam a implementação da dissuasão e defesa da Otan.”
Outra medida que vem sendo debatida é a projeção de um maior investimento em Defesa pelos países que integram a Otan. Essa é uma exigência do secretário-geral Jens Stoltenberg, que em maio de 2023 destacou a necessidade de comprometimento mínimo de 2% do PIB de cada nação com suas Forças Armadas.
A primeira-ministra da Estônia, entretanto, afirmou que o ideal seria comprometer ainda mais, 2,5% do PIB. Alega que é preciso enfrentar, com máxima urgência, problemas crônicos como a escassez de munição e desafios logísticos para eventualmente mandar tropas à região de fronteira com a Rússia, justamente o que será testado no Steadfast Defender 2024.
Bauer seguiu pelo mesmo caminho. “Você precisa ser capaz de recorrer a uma base industrial que seja capaz de produzir armas e munições com rapidez suficiente para continuar um conflito, se você estiver nele”, disse o almirante.
Ele acrescentou um outro ingrediente à receita: exércitos mais numerosas. “Precisamos estar mais preparados em todo o espectro”, afirmou. “É preciso ter um sistema em funcionamento para encontrar mais pessoas em caso de guerra, quer aconteça ou não. Aí você fala de mobilização, reservistas ou recrutamento.”