Prisão de historiador russo que pesquisa Stalin é questionada por ONGs

Pesquisador Yury Dmitriyev trabalha na identificação de mortos pelos expurgos de Stalin e acusado de pedofilia

A prisão do historiador Yury Dmitriyev, no mês passado, pode ser na verdade parte de uma perseguição política. O russo foi responsável por identificar mais de seis mil mortos pelo Exército Vermelho, da antiga União Soviética.

Dmitriyev recebeu a pena de três anos e meio de prisão, acusado de abuso sexual infantil, tendo como vítima a própria filha adotiva, Natasha. A menina foi adotada em 2008, aos três anos.

De acordo com a BBC, a prisão do historiador tem o intuito de manchar sua imagem, já que ele desenterrou valas comuns de mais de seis mil pessoas executadas em Sandarmokh, na região da Carélia, oeste da Rússia.

A cidade abriga um dos maiores túmulos coletivos durante os expurgos do ditador soviético Josef Stalin na década de 1930. Cerca de nove mil pessoas, de quase 60 nacionalidades, foram assassinadas ali.

Dmitriev na vila de Derevyakenko, na região da Carélia, oeste da Rússia (Foto: Simeon Maisterman)

Por quase 30 anos, ele se empenhou em recuperar os restos humanos e documentar a identidade de cada um deles.

Dmitriyev e sua equipe descobriram que, na verdade, os restos mortais se tratavam de prisioneiros de guerra assassinados pelo Exército Vermelho, e não prisioneiros políticos das repressões da era Stalin, como se pensava.

Essas explorações fizeram com que o historiador colecionasse inimigos. segundo o jornal “The Guardian”, os achados expõem um lado da história que complica a glorificação do Kremlin ao passado soviético.

Motivação política

De acordo com a Radio Free Europe, a  pena para quem comete crime envolvendo pornografia infantil na Rússia é de, no mínimo, 15 anos de reclusão. Já Dmitriyev recebeu apenas um terço da pena.

Para Irina Flige, viúva de Veniamin Iofe, historiador do período stalinista, o governo russo promove uma campanha contra a pesquisa histórica. O fato de condenar Dmitriyev com poucas provas seria o retrato dessa política.

“A natureza absolutamente infundada das acusações ficou óbvia desde o início”, disse Flige, que chefia a filial de São Petersburgo do centro de pesquisa histórica do Memorial Internacional.

“Uma sentença como essa, sob acusações tão sérias, significa uma coisa: a promotoria não tinha provas de que Dmitriyev era culpado de qualquer ato sexual abusivo contra sua filha adotiva”, afirmou.

A ONG direitos humanos Human Rights Watch manifestou dúvidas sobre a idoneidade do julgamento. As “circunstâncias que envolvem acusações criminais” contra Dmitriyev “sugerem fortemente que elas são espúrias e o alvejam por seu trabalho em direitos humanos”, afirmou a HRW em comunicado.

Acusações

Em 2017, o historiador foi preso pela primeira vez quando policiais acharam fotos de sua filha adotiva nua em seu computador. Ele foi acusado de pornografia infantil.

De acordo com a Rádio Free Europe, ele foi absolvido em abril de 2018, mas o Supremo Tribunal da Carélia ordenou um novo julgamento. Em junho de 2018, Dmitriyev foi preso novamente, desta vez acusado por um crime mais grave de agressão sexual contra um menor.

As fotos teriam sido usadas para comprar que a menina, adotada desnutrida, era bem tratada pelos pais adotivos. O portal explica que, na Rússia, as adoções são acompanhadas e Dmitriyev precisava dos registros para provar sua evolução nutricional.

Desde 2008, as autoridades tutelares monitoram as condições de vida e a educação da menina na família adotiva, observando seus direitos. Nunca houve reclamações sobre Dmitriev como pai adotivo.

De acordo com o Memorial Internacional, antes das prisões, Yuri Dmitriyev alegou que havia indícios de que seu apartamento havia sido invadido. Ofato, segundo a entidade, foi ignorado pela investigação e não houve apuração para saber se realmente havia acontecido.

Interrogada em 2017, a filha não se lembrou de nenhuma ação predatória do pai. Seus exames médico, psicológico e psiquiátrico também não revelaram sinais de violência contra ela ou trauma psicológico.

Sergei Koltyrin, diretor de um museu local e crítico das escavações, foi condenado em maio passado a nove anos de prisão pelas mesmas acusações de abuso sexual infantil.

Koltyrin morreu em um hospital prisional menos de um ano depois, após recurso dos promotores que atrasdou sua condicional por motivos de saúde.

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