Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site independente The Moscow Times
Por Felix Light
Cinco dias após a invasão da Ucrânia, a Rússia parece estar mudando suas táticas em resposta à resistência ucraniana inesperadamente feroz às suas forças.
Com as avaliações da inteligência ocidental alegando que as tropas russas até agora não conseguiram atingir seus principais objetivos, especialistas sugeriram que Moscou poderia adotar táticas muito mais brutais destinadas a esmagar a resistência ucraniana, semelhante a campanhas anteriores na Chechênia e na Síria.
No início da manhã de terça-feira (1º), vídeos da segunda cidade do leste da Ucrânia, Kharkiv – que apresentou uma defesa feroz, apesar de ser em grande parte de língua russa e localizada perto da fronteira –, mostraram um foguete russo atingindo o prédio da administração da cidade, menos de um dia depois. As imagens pareciam documentar disparos indiscriminados de foguetes atingindo áreas civis da cidade.
Os ataques a Kharkiv seguiram alegações do Ministério da Defesa do Reino Unido de que a Rússia estava mudando para táticas de “cerco” contra Kharkiv e Chernihiv, uma cidade fronteiriça ao norte que até agora não conseguiu ocupar.
“O exército russo vai lutar da maneira que está equipado, preparado e treinado para isso”, disse Mark Galeotti, analista do instituto militar britânico Royal United Services Institute. “O que quer dizer uso maciço de fogo de longo alcance antes de qualquer avanço de qualquer tipo”.
A filmagem de ataques com mísseis contra cidades ucranianas vem depois de cinco dias de forças russas falhando em tomar uma única grande cidade, mesmo quando se moviam profundamente na Ucrânia.
No norte e no leste, onde a maior parte do exército da Ucrânia está posicionada, o avanço russo tem sido lento, com relatos de grandes baixas entre as forças russas.
No sul, a Rússia teve um desempenho melhor, com forças invadindo a Crimeia ocupada pelos russos, tomando as cidades de Melitopol e Berdyansk e supostamente cercando Kherson.
No entanto, especialistas sugeriram que o hábito dos russos de enviar colunas blindadas desprotegidas para dentro do território ucraniano, juntamente com a implantação da Guarda Nacional RosGvardiya – uma força policial usada principalmente para aplicação da lei em casa – na vanguarda pode indicar que os russos esperavam muito menos resistência ucraniana do que finalmente se materializou.
“Claramente, havia uma ideia irreal entre os planejadores militares russos de que o Estado ucraniano era ilegítimo e se romperia no primeiro empurrão”, disse Galeotti.
A logística surgiu como um problema crônico para as forças russas, já que as tropas ucranianas destruíram comboios de suprimentos.
Em um vídeo amplamente divulgado, que o The Moscow Times não verificou de forma independente, um motorista ucraniano diminui a velocidade ao lado de um blindado russo e, brincando, se oferece para rebocar a tripulação de volta à Rússia.
“Seu lote está se rendendo bem”, diz o motorista.
“O pior está por vir”
O Ministério da Defesa ucraniano afirma ter matado quase seis mil soldados russos, um número que não pode ser verificado e pode ser exagerado. A Rússia admitiu um número reduzido de baixas e proibiu a mídia russa de relatar a guerra usando qualquer coisa que não fosse fontes oficiais.
“A operação russa inicial foi baseada em suposições terríveis sobre a capacidade e a vontade de lutar da Ucrânia”, escreveu no Twitter Michael Kofman, analista militar russo da CNA em Washington DC, que foi um dos primeiros a prever uma invasão em grande escala da Ucrânia.
Long thread about how I think the first 96 hours have gone, still very early/incomplete impressions. The initial Russian operation was premised on terrible assumptions about Ukraine’s ability & will to fight, and an unworkable concept of operations. Moscow badly miscalculated. 1/
— Michael Kofman (@KofmanMichael) February 28, 2022
De acordo com Kofman, a Rússia pretendia inicialmente um ataque rápido a Kiev para decapitar a liderança ucraniana. Tendo falhado em conseguir isso, é provável que mude para táticas alternativas e mais sangrentas.
“Infelizmente, espero que o pior ainda esteja por vir, e esta guerra pode ficar muito mais feia”, disse ele.
Há algumas evidências fragmentárias sugerindo que figuras russas de alto escalão estão irritadas com a paralisação da campanha.
A NBC News dos EUA informou na terça-feira (1º) que a inteligência americana acredita que Putin está “frustrado” com o progresso da campanha ucraniana e “dirigindo explosões incomuns de raiva” em seu círculo interno sobre a força da resistência ucraniana e a unidade da condenação do mundo exterior a seu movimento.
Em uma mensagem postada em seu canal Telegram no domingo, o líder checheno Ramzan Kadyrov, cujas tropas desempenharam um papel importante na invasão, exigiu uma abordagem mais dura à invasão.
“Não entendo por que ainda estamos usando luvas de pelica com os banderitas”, escreveu Kadyrov, usando um insulto generalizado de propaganda russa para nacionalistas ucranianos.
“Chegou a hora de tomar medidas concretas e iniciar uma operação em grande escala em todas as direções e em todo o território ucraniano”, acrescentou.
Analistas sugeriram que tais comentários podem preparar o terreno para a Rússia intensificar sua ofensiva contra a Ucrânia, adotando táticas vistas durante a intervenção de Moscou na Síria e sua guerra contra os secessionistas na Chechênia natal de Kadyrov.
A capital chechena Grozny foi arrasada em duas guerras, 1994-96 e 1999-2000.
Aleppo, a maior cidade da Síria, recebeu o mesmo tratamento durante a intervenção da Rússia a partir de 2015 para proteger o regime de Bashar al-Assad.
Com a Rússia saindo vitoriosa de ambas as intervenções, há a preocupação de que o mesmo modus operandi possa estar em jogo.
“O exército russo hoje não é o mesmo de 2000”, disse Galeotti. “Mas está voltando ao básico”.