Protesto contra mobilização militar termina com jornalistas estrangeiros presos na Rússia

Holandeses, alemães e franceses estão entre as vítimas da polícia russa durante manifestação liderada por esposas de soldados

Mais de 20 pessoas foram presas no sábado (3) em Moscou durante um protesto liderado por mulheres de soldados enviados à guerra da Ucrânia. A manifestação ocorreu em frente ao comitê eleitoral do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que se prepara para concorrer a mais um mandato no pleito deste ano. As informações são da rede CNN.

O protesto foi batizado de “500 dias de mobilização”, referência ao início do recrutamento obrigatório estabelecido por Putin em setembro de 2022 que teria mobilizado ao menos 300 mil cidadãos russos para a guerra da Ucrânia. Entre os detidos pela polícia durante a manifestação estão jornalistas a serviço de veículos estrangeiros de imprensa.

Homem é arrastado pela polícia em Moscou em março de 2022 (Foto: Avtozak LIVE/Reprodução Telegram)

A manifestação ocorre em meio à crescente insatisfação da população com o serviço militar imposto a muitos russos. Mães e mulheres de soldados têm liderado um movimento que pede o retorno dos combatentes, especialmente daqueles que estão no campo de batalhas há um período mais longo.

Trata-se de um movimento que se estabeleceu ainda no início da guerra e que tem criado problemas para o Kremlin, a ponto de o governo ter forçado o fechamento, em julho de 2023, da mais importante entidade representativa dessas mulheres, o Conselho de Mães e Esposas, uma organização informal que defendia os interesses de cidadãos recrutados.

Olga Tsukanova, líder e fundadora do Conselho, foi inclusive classificada como agente estrangeiro pelo governo russo. Quanto ao grupo, ela alegou que a justificativa oficial para o encerramento foi a republicação de material originalmente produzido por um veículo igualmente rotulado como agente estrangeiro.

A repressão inicial do Kremlin, entretanto, não silenciou as mulheres. Embora muitas russas tenham no início se colocado a favor da guerra, que Moscou classifica oficialmente como “operação militar especial”, hoje começam a se virar contra o regime devido à falta de informações sobre os combatentes e ao longo período de serviço militar.

Apesar de as mulheres liderarem a barulhenta oposição às medidas de Putin, somente uma manifestante foi presa no sábado. De acordo com o site independente Mediazona, 27 pessoas foram detidas no total, a maioria jornalistas e também ativistas de direitos humanos. Entre os profissionais de imprensa levados pelas autoridades há representantes da Agência France Press (AFP) e da revista alemã Der Spiegel.

O governo da Holanda também revelou que dois jornalistas da rede NOS foram presos, o que levou o ministro das Relações Exteriores do país, Hanke Bruins Slot, a se manifestar. “Como jornalista, você só precisa ser capaz de fazer bem o seu trabalho, sem correr o risco de acabar na prisão”, disse ele, segundo o jornal NRC. O chefe da diplomacia holandesa classificou a ação da polícia russa como “preocupante”.

Segundo a CNN, um jornalista que foi liberado disse que a polícia pretendia soltar outros profissionais de mídia “em breve”, mas manteria detidos aqueles que trabalham para veículos classificados pelo governo russo como agentes estrangeiros. São sobretudo empresas locais que publicaram material com críticas ou denúncias contra o governo.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, para driblar o veto, tornou-se comum ver manifestantes solitários erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o desafio dos opositores de Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março de 2022, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das Forças Armadas”.

Dentro dessa severa legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o Exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, eufemismo usado pelo governo para descrever a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Desde o início da guerra, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão na Rússia, reportou quase 20 mil detenções em protestos contra a guerra em todo o país. A enorme maioria dos casos, cerca de 15 mil, foi registrada no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro de 2022, devido à mobilização parcial de reservistas imposta pelo governo.

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