Rússia explorou ‘medo’, ‘pânico’ e ‘horror’ para manipular opinião pública ocidental, revela investigação

Inteligência russa realizou uma grande campanha de propaganda e desinformação para ‘atiçar sentimentos antigovernamentais‘

O governo da Rússia iniciou em 2022, poucos meses após invadir a Ucrânia, uma grande campanha de propaganda e desinformação para desestabilizar politicamente o Ocidente. Uma investigação realizada em parceria pelo site The Insider e o jornal Der Spiegel, baseada em documentos confidenciais interceptados, revelou que Moscou explorou o “medo”, o “pânico” e o “horror” para confrontar a racionalidade e jogar a opinião pública contra as autoridades tanto nos EUA quanto em países da União Europeia (UE).

A campanha foi conduzida pelo SVR (Serviço de Inteligência Estrangeira, da sigla em russo) e ganhou o apelido de Projeto Kylo. Segundo os responsáveis pela investigação, o nome pode tanto estar atrelado à palavra russa “picareta” quanto ao personagem Kylo Ren, um dos vilões dos filmes recentes da saga Star Wars nos cinemas.

Documentos interceptados mostram que Moscou colocou em segundo plano o uso de veículos de mídia oficiais, como o canal RT (antigo Russia Today) e a agência de notícias Sputnik, porque eles não atingiam o público desejado. Assim, apostou em difundir sua propaganda através de falsas campanhas de publicidade em grandes mídias, como o YouTube, bem como em canais especialmente criados pelos agentes, inclusive ONGs que à primeira vista pareciam bem intencionadas.

Moscou usa desinformação para desestrutura democracias (Foto: www.kremlin.ru/Divulgação)

O idealizador do Projeto Kylo foi Mikhail Koleslov, um militar que atuava no Afeganistão e redigiu um documento com seus objetivos e a estratégia a ser adotada. A ideia, conforme um relatório interceptado pelos investigadores, era  “injetar um novo esquema na abordagem de propaganda do Kremlin: sistemática, direcionada e ativa, de natureza ofensiva.”

Para não gerar desconfiança quanto às fontes das informações, por vezes os veículos que as difundiam passavam a ideia de que eram pró-Kiev. Assim, em vez de propor argumentos pró-Rússia diretos, a campanha visava “aprofundar as contradições internas entre as elites dominantes”, tanto norte-americanas quanto europeias.

“As principais emoções a serem exploradas eram medo, pânico e horror, uma campanha de manipulação psicossocial diretamente retirada do manual da Guerra Fria do Departamento D da Primeira Diretoria Principal da KGB soviética. O D significava desinformação”, diz a reportagem.

Um tema abordado prioritariamente foi o dos refugiados ucranianos em países europeus. Para jogar a opinião pública contra eles, os falsos canais criados por Moscou faziam exigências exageradas supostamente em nome dos deslocados, o que acabava por jogar a população local contra eles.

As ações parecem ter surtido efeito, especialmente na Alemanha, onde foram identificadas reações irritadas contra os ucranianos por parte de figuras políticas alemãs e veículos de imprensa legítimos, que contestavam justamente os supostos benefícios exagerados destinados aos refugiados.

Moscou teria inclusive recrutado cidadãos de nações europeias que receberam entre 80 e 100 euros para se deixar fotografar. As imagens foram usadas para criar perfis que difundiam a informação de que os protestos anti-Ucrânia vinham crescendo na Europa, influenciando assim a opinião pública.

Em um e-mail interceptado, Koleslov teria projetado atingir cerca de 600 mil pessoas com a campanha, um número considerado excelente por Mikhail Kulemin, um colega de SVR. Segundo este, o número equivalia quase à população inteira da cidade de Boston, nos EUA, que é de cerca de 650 mil pessoas, o que mostrava o sucesso do Projeto Kylo.

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