Ucrânia tem mais de uma denúncia por dia de abusos sexuais atribuídos a soldados russos

Já foram recebidos 124 relatos de violência sexual em diversas cidades ucranianas nos cem primeiros dias de guerra

O Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta segunda-feira (6) para debater as crescentes alegações de violência sexual na Ucrânia. Na última sexta (3), o conflito iniciado no dia 24 de fevereiro completou cem dias, com mais de uma denúncia diária de abusos atribuídos a soldados da Rússia, número que tende a ser bem maior devido à subnotificação.

A representante especial da ONU para violência sexual em conflito, Pramila Patten, apresentou aos membros do Conselho de Segurança dados da equipe de monitoramento do Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários).

Segundo o levantamento, há 124 relatos de violência sexual registrados em diversas cidades ucranianas. Os casos estão sendo investigados, com mulheres e meninas sendo as principais vítimas.

Entretanto, Patten alertou que crimes sexuais em zonas de guerra são frequentes e massivamente subnotificados. Assim, segundo ela, os dados disponíveis representam “apenas a ponta do iceberg”.

A representante adiciona que a mobilização para impedir o crescimento de casos precisa ser imediata, independentemente da conclusão das investigações. Isso porque, segundo ela, “mesmo um caso de violência sexual é inaceitável”.

Reunião do Conselho de Segurança da ONU no Palácio das Nações, em Nova York, em abril de 2019 (Foto: UN Photo/IAEA/Eskinder Debebe)

Os Estados Unidos e a Europa se manifestaram sobre a questão, atribuindo responsabilidade a tropas russas. “Cabe à Rússia parar o estupro, a violência e as atrocidades dentro de suas fileiras”, disse a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, segundo a agência Al Jazeera.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, seguiu pelo mesmo caminho e denunciou o que classificou como “atrocidades” da Rússia. “Esses crimes devem ser e serão punidos. Para responsabilizar os responsáveis, precisamos de provas, e agora estamos ajudando a coletar as provas desses crimes”, disse.

Tráfico sexual

O embaixador britânico na ONU, James Kariuki, atribuiu mais um crime a Moscou. “Vimos um aumento perturbador na violência sexual relacionada a conflitos, incluindo relatos horríveis de estupro e violência sexual cometidos pelas forças armadas russas. E um aumento significativo no tráfico de pessoas”, afirmou.

Pramila Patten também alertou para os casos de tráfico humano. Ela citou o secretário-geral da ONU, António Guterres, ao afirmar que, “para predadores e traficantes de seres humanos, a guerra não é uma tragédia. É uma oportunidade”.

A representante deu exemplos de falsos voluntários que oferecem caronas a refugiadas para outros países, e as vítimas acabam nas mãos de traficantes de pessoas com o objetivo de exploração sexual.

Após ouvir as acusações, o embaixador da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia, deixou a reunião e foi substituído por um vice. Antes, ele havia negado os casos. “As acusações de violência sexual contra o exército russo se tornaram repetitivas, mas nenhuma prova foi fornecida”, declarou.

O massacre de Bucha

A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.

Civis mortos nas ruas de Bucha cidade ucraniana (Foto: reprodução/Twitter)

Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.

Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.

Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.

“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

Tags: