Violência das forças de segurança impera na fronteira Belarus-Polônia, diz relatório

Migrantes são agredidos, extorquidos, furtados e obrigados a cruzar a fronteira rumo à UE. Os que conseguem quase sempre são mandados de volta

As milhares de pessoas que tentam cruzar a fronteira de Belarus com a União Europeia (UE), por Polônia, Lituânia e Estônia, têm sido vítimas de todo tipo de violência os dois lados da fronteira. Relatório do watchdog Anistia Internacional, divulgado na segunda-feira (2), cita casos de agressão, extorsão, furto e privação de comida, água e abrigo por parte de integrantes das forças de segurança belarussas e polonesas.

A Anistia entrevistou 75 pessoas que teriam sido atraídas a Belarus entre julho e novembro pela falsa promessa de passagem fácil para a UE. São 66 iraquianos, sete sírios que viajaram do Egito, do Líbano e da Síria, um libanês e um sudanês. Como vários dos entrevistados estavam acompanhados de familiares e amigos, os depoimentos representam um total de 192 pessoas afetadas pela violência.

“Presos no que é efetivamente uma zona de exclusão na fronteira de Belarus com a UE, eles enfrentam fome, exposição e níveis chocantes de brutalidade das forças belarussas, forçando-os repetidamente a entrar na Polônia, onde são sistematicamente repelidos por oficiais poloneses. As forças opostas estão jogando um jogo sórdido com vidas humanas”, diz Jennifer Foster, pesquisadora da Anistia para Refugiados e Migrantes.

Forças de segurança da Polônia na fronteira com Belarus: violência dos dois lados da cerca (Foto: reprodução/twitter.com/ajplus)

Muitas pessoas que tentam cruzar a fronteira estão acompanhadas de crianças, o que não as livra da violência. Há relatos de agressões com cassetetes e coronhas de fuzil, ameaças com cães e a exposição aos perigos de tentar cruzar a fronteira através de um rio de fluxo rápido, o que pode levar a afogamento e morte. Muitos chegaram a Belarus por Minsk e de lá seguiram para a região de fronteira escoltadas por soldados. Às portas da UE foi criada uma zona de exclusão, onde os migrantes ficam encarcerados e sem qualquer suporte.

Um homem sírio disse fazer parte de um grupo de cerca de 80 pessoas conduzidas em um caminhão militar até a fronteira. “Havia cerca de dez soldados [belarussos], e eles tinham quatro cães com eles. Eles disseram que iriam soltar os cães e que seríamos mordidos se não corrêssemos rápido. Os soldados correram atrás de nós batendo em qualquer um que não corresse rápido o suficiente. Depois de nos perseguirem por cerca de 200 metros, os soldados se viraram, deixando-nos no meio da mata. Famílias foram separadas, e as mordidas dos cães estavam sangrando”.

Há relatos de pessoas que ficaram presas por dias nessas zonas de exclusão cercadas por arame farpado. Lá, recebiam quantidades reduzidas de água e pão, quando não ficavam sem qualquer alimento. A única opção era cruzar a fronteira rumo à UE. Mesmo voltar atrás era proibido. Os poucos que conseguiam deixar essas áreas e retornar o faziam mediante o pagamento de propina aos soldados.

Uma família curda síria permaneceu na zona cercada por 20 dias, com uma refeição diária, ou sem comida por períodos de 24 horas. “Às vezes ficávamos quase inconscientes, com fome e sede, e não conseguíamos encontrar ajuda, nem de soldados poloneses nem de belarussos”, diz o pai de família.

Soldados com patrulha de cães ao longo fronteira de Belarus com a Polônia (Foto: Egor Eryomov/WikiCommons)

O tratamento não é nada melhor do outro lado da fronteira. A maioria dos que conseguiram entrar na Polônia foi imediatamente detida e mandada de volta pelos soldados poloneses. A Anistia documentou vários casos de indivíduos que conseguiram entrar no território polonês, e apenas uma pessoa não foi mandada de volta. Há relatos de celulares quebrados e de famílias, crianças inclusive, atacadas com spray de pimenta.

Um sírio que viajou com a mulher e dois filhos disse que soldados poloneses colocaram a família em um caminhão militar. “Era grande o suficiente para 50 ou 60 migrantes, e eles dirigiram cerca de uma hora. Então, nos empurraram de volta para a zona de exclusão. No caminhão, um soldado nos ouvia conversar e voltou a usar spray de pimenta contra nós, e meu filho e minha filha choraram por quase uma hora”.

“A Polônia viola claramente o direito e as normas internacionais, incluindo a violação da proibição da tortura ou outros maus-tratos. O princípio da não repulsão estabelece que as autoridades não devem enviar à força nenhuma pessoa para outro país ou território onde correria o risco de ser torturada ou sofrer outros maus-tratos”, diz o relatório.

Além de não prover assistência àqueles que tentam ingressar no bloco, a UE ainda cogita alterar sua legislação de modo a permitir que Polônia, Lituânia e Estônia ignorem certos direitos que protegem migrantes. A proposta permitiria às três nações exigirem que os migrantes fizessem a solicitação de asilo apenas em locais designados, como certas pontos de passagem de fronteira, em um período que se estenderia pelos próximos seis meses.

“Milhares de pessoas – incluindo muitas fugindo de guerras e conflitos – se encontram presas em Belarus no auge do inverno, em condições extremamente precárias. Em vez de receber os cuidados de que precisam, são submetidos a uma violência brutal. Belarus deve cessar imediatamente com essa violência, e os Estados-Membros da UE devem parar de negar às pessoas a chance de escapar dessas violações flagrantes, muito menos devolvê-las a Belarus para enfrentá-las repetidas vezes”, diz a pesquisadora da Anistia.

Por que isso importa?

Desde agosto a UE estuda medidas emergenciais de lidar com a questão de travessias ilegais desde Belarus rumo ao bloco, bem como formas concretas de assistência aos países afetados na gestão do problema. Para os Estados-Membros, a questão diz respeito tanto aos direitos humanos quanto à segurança continental.

Milhares de refugiados e migrantes chegaram à Lituânia neste ano e estão sendo abrigados em campos temporários em todo o país. A primeira-ministra lituana, Ingrida Simonyte, acusou o presidente belarusso Alexander Lukashenko, conhecido pela alcunha de “último ditador da Europa“, de “explorar essas pessoas pobres, homens e mulheres”.

A ex-chanceler alemã Angela Merkel e a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, acusaram Lukashenko de lançar um “ataque híbrido” contra o bloco de 27 nações, canalizando migrantes para a Lituânia, Estônia e Polônia em retaliação às sanções da UE. “Concordamos que esta é uma agressão híbrida que usa seres humanos”, disse Merkel após suas conversas em Berlim.

Um oficial da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) classificou a situação como “inaceitável”. Segundo ele, a aliança, da qual Polônia, Lituânia e Letônia fazem parte, “está pronta para ajudar ainda mais nossos aliados e para manter a segurança e a proteção na região”.

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