O rastro de crise deixado pela pandemia do novo coronavírus gerou novas emergências humanitárias e aprofundou outras que já existiam. Hoje, o mundo tem pelo menos 70 localidades onde a crise é grave e pode piorar ao longo do ano, segundo levantamento da revista “The New Humanitarian“.
A maioria dessas tragédias é gerada por guerras – 80% dos recursos destinados à ajuda humanitária é usado para auxiliar populações expostas a conflitos de pequeno e grande porte.
A Referência reuniu, com base no levantamento da revista e informações do Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários) alguns dos principais locais que podem exigir uma resposta rápida das organizações multilaterais e de governos neste ano.
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Acordos em ruínas
Acordos forjados no pré-pandemia e que previam o início de um processo de paz em locais como o Sudão do Sul, a República Centro-Africana, o Afeganistão e a Colômbia, já dão sinais de estremecimento.
Em território sul-sudanês, há temores de que o segundo acordo de paz desde a criação do país, há dez anos, caia por terra antes das eleições de 2023.
O ano de 2021 também começa com uma paz cada vez mais frágil no Mali, tomado por grupos jihadistas na porção norte, desértica e pouco habitada, de seu território. Após um golpe em 2020, sobram incertezas a respeito de reformas mínimas de governança em um país cuja história é pontuada por intervenções militares.
Na República Centro-Africana, as eleições de dezembro geraram uma situação de emergência que inclui uma tentativa de invasão da capital, Bangui, por rebeldes que tentam inviabilizar o cessar-fogo de 2019.
A UA (União Africana), garantidora da maioria dos acordos no continente, tenta viabilizar, com auxílio de parceiros como as Nações Unidas, a UE (União Europeia) e a Rússia, alguma adesão às tratativas.
A Etiópia, liderança regional com papel nas missões de paz pelo continente, tem hoje um princípio de guerra civil para solucionar em seu próprio país.
O governo em Adis Abeba, liderado pelo Nobel da Paz de 2019 Abiy Ahmed, vive uma disputa de poder com lideranças locais da região de Tigré, no norte do país – dobrando a demanda por ajudas humanitárias entre os etíopes, que fechou 2020 na faixa de 20 milhões.
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Analistas temem uma fratura definitiva do Estado multiétnico da Etiópia, com 80 grupos distintos. Numa perspectiva pessimista, pode ocorrer um movimento semelhante ao que dividiu a antiga Iugoslávia no início dos anos 1990 e gerou uma sangrenta guerra civil até 1995.
Já no turbulento Afeganistão, a tentativa de paz mais recente entre o governo reconhecido e o Taleban completa um ano em fevereiro sem chegar a parte alguma.
Com a saída das tropas norte-americanas do país, cresce a chance de uma tomada do poder por parte dos radicais. A despeito das tentativas de acordo, lideranças do grupo – que controlou boa parte do território entre 1996 e 2001 – já afirmaram diversas vezes que a meta é restabelecer um emirado islâmico controlado pela lei religiosa da sharia.
Conflitos sul-americanos
Na Colômbia, o acordo de paz com a guerrilha, de 2016, também dá sinais de esgarçamento. O governo tem ignorado denúncias de massacres contra populações em áreas antes dominadas por grupos como as FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e contra ex-combatentes que entregaram as armas.
A vizinha Venezuela também não terá um 2021 fácil. O país hoje tem a receita do petróleo na lona após anos de sucateamento da estrutura de exploração, acompanhada por crise econômica e hiperinflação.
O número de refugiados deve saltar de 5,4 milhões para sete milhões neste ano, estima a OEA (Organização dos Estados Americanos).
Na fronteira entre os dois países, cresce o número de acampamentos improvisados, sem infraestrutura básica. Já os grupos guerrilheiros avançam para aumentar suas áreas de controle aproveitando os lockdowns nessas regiões.
Guerra civil
No Oriente Médio, o barril de pólvora para as agências humanitárias é o Iêmen. Considerado a “pior crise mundial” pela ONU (Organização das Nações Unidas), o país está imerso em guerra civil desde 2015.
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Para este ano, o desafio das entidades humanitárias será fazer chegar a ajuda após a determinação, do governo dos EUA, de que a coalizão rebelde houthi é um grupo terrorista. O anúncio foi feito no início de janeiro e pode dificultar a chegada de ajuda no país.
Em todo o mundo, as doações vindas da ONU têm diminuído. Em 2019, era preciso arrecadar US$ 4,2 bilhões, e chegou às mãos das entidades US$ 3,6 bilhões – 85% do valor.
No ano seguinte, a pandemia fez crescer a já elevada demanda por ajuda, mas de US$ 3 bilhões solicitados em doações, só foi possível arrecadar 56% desse montante, ou US$ 1,9 bilhão.