Os cinco maiores riscos políticos para 2021, segundo a Eurasia Group

Entre perigos está ausência de liderança global para conduzir a resposta à crise da pandemia de Covid-19

por Anna Rangel

A consultoria de risco político norte-americana Eurasia Group divulgou na terça (5) seu tradicional relatório com os maiores riscos de ordem política e econômica para 2021.

Entre eles, há a troca de governo nos EUA, o uso da tecnologia com propósitos geopolíticos, a disputa norte-americana com a China e a crise econômica que deve atrasar a recuperação da América Latina.

Para os analistas, esse ano – como 2020 – será baseado na resposta de governos, mercados e da própria população à crise gerada pelo novo coronavírus.

O paralelo mais recente seria o de 2009, onde o foco foi a retomada após a quebradeira financeira do ano anterior. Naquela época, porém, o mundo ainda contava com os EUA como uma potência que liderava. Não é mais o caso, segundo os analistas da casa de pesquisa.

“A credibilidade da política externa norte-americana e a sustentabilidade da política doméstica serão testadas neste ano como não o são desde o pós-guerra”, diz o relatório.

Veja quais tópicos merecem atenção no ano novo.

O governo dos EUA

O país terá a partir de 20 de janeiro um presidente, Joe Biden, visto com ilegítimo por parcela da população.

Espera-se que alguns congressistas e senadores republicanos insistam na tese trumpista de que as eleições de novembro teriam sido roubadas – após múltiplas confirmações de autoridades eleitorais, estaduais e do próprio colégio eleitoral a respeito da lisura do pleito.

Difícil imaginar, afirma a Eurasia, acordo entre republicanos moderados, aqueles que flertaram com o golpismo, e representantes democratas. O imbróglio deve transbordar para as questões e objetivos de política externa.

Os cinco maiores riscos políticos para 2021, segundo a Eurasia Group
O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, em manifestação pré-campanha eleitoral, em fevereiro de 2020 (Foto: Creative Commons)

E, na relação com o exterior, o impacto do governo Trump foi o de gerar desconfiança frente a aliados de longa data, como os europeus. Biden terá um desafio formidável pela frente para fortalecer esses laços – o insucesso nessa empreitada é um dos riscos para 2021.

A “longa Covid”

O mundo vive neste momento uma segunda e brutal onda da pandemia do novo coronavírus, com mutações mais contagiosas identificadas no Reino Unido e na África do Sul.

Com vacinas já em produção e países iniciando a imunização, espera-se que a crise da Covid-19 continue evidenciando desigualdades entre países com e sem recursos.

Também é razoável supor que, ao longo do ano, as clivagens domésticas de classe se manifestem no acesso à vacina, nas crises econômicas e no aumento da pobreza, que devem ter como consequência protestos contra os governos e instabilidade política e social.

Clima x indústria

Classificada como “prioridade” no governo de Joe Biden, a questão ambiental deverá servir de impulso para os norte-americanos cobrarem mudanças na política industrial chinesa.

As metas mais ambiciosas de diminuição das emissões de carbono também devem mudar o jogo para diversos setores e mercados. Há oportunidades para investimentos em capital de risco, mas questões políticas também entrarão na conta da tomada de decisões e de mudanças na política global de clima.

China x EUA

A disputa acirrada com o governo de Xi Jinping não deve arrefecer durante o mandato de Joe Biden. São esperados atritos em questões como as investidas chineses em águas territoriais dos vizinhos, no Mar da China Meridional, além da defesa de regiões como Hong Kong e Taiwan.

A corrida por uma imunização eficiente contra a Covid-19, e passível de distribuição em outros países, deve gerar um novo capítulo das táticas que se tornaram conhecidas como “diplomacia das máscaras”.

No início da pandemia, a China usou doações de equipamentos de proteção individual para demonstrar boa vontade e pedir favores em retribuição dos países que receberam os produtos.

Agora, é a vacina quem se torna ferramenta de pressão diplomática, o que traz riscos para 2021.

Circulação de dados

As leis de proteção de dados já são cada vez mais comuns em todo o mundo. No Brasil, a norma entrou em vigor em 2020. Mas, sem a possibilidade de usar dados de clientes, grandes empresas de tecnologia podem ter aumentos nos custos e até a necessidade de rever seus modelos de negócio.

Para a Eurasia, 2021 deve solidificar o entendimento de que a internet aberta e global, com acesso fácil aos dados dos cidadãos e anuência dos governos, ficará no passado. Essa mudança vem mesmo com avanços nas indústrias de 5G e de inteligência artificial.

Tecnologia para a geopolítica

Os múltiplos ataques hackers, com grandes impactos a países e grandes empresas, devem continuar em 2021 e elevar os riscos no cyberespaço.

A ausência de uma resposta coordenada para disciplinar o comportamento das nações quanto à tecnologia da informação, além de mudanças e avanços tecnológicos, devem impor novos desafios geopolíticos.

O banimento de aplicativos como o chinês TikTok, que foi removido das “app stores” da Índia e quase perdeu o mercado norte-americano, dão a medida da importância dessas novas tecnologias para a geoeconomia global.

Os cinco maiores riscos políticos para 2021, segundo a Eurasia Group
Ataques cibernéticos são uma das maiores (Foto: Pexels)

A Turquia de Erdogan

Já são quase 20 anos de Recep Tayyip Erdogan à frente da Turquia. Ano após ano, o hoje presidente aumenta a carga nas políticas nacionalistas e nos conflitos com potências ocidentais como manobra diversionista para problemas domésticos.

Mas 2021 começa com crise econômica e a lira turca na lona, após perder 30% de seu valor no último ano. O problema é que, dessa vez, Erdogan tem poucos amigos no exterior.

A Rússia se ressentiu da ação turca nos fronts da Síria, da Líbia e, por via do aliado Azerbaijão, na demanda pela região de Nagorno-Karabakh. O local tem maioria armênia, cujo governo é aliado antigo do presidente russo Vladimir Putin.

Com a Europa, criou problemas após perfurar por petróleo em águas territoriais disputadas com a Grécia. Na sequência, disse que o presidente da França, Emmanuel Macron, precisava de “tratamento”. A fala ocorreu depois de promessas do francês para conter o extremismo islâmico, na esteira do assassinato do professor Samuel Paty, em outubro.

A rival Arábia Saudita, com quem concorre à posição de potência regional no mundo sunita, também antagoniza a Turquia. Entre os motivos, há a visão mais secular do Islã por parte dos turcos e o incidente diplomático gerado pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado de seu país em Istambul.

Os EUA, por sua vez, impuseram a Ancara sanções após compras dos mísseis russos S-400. A resposta de Erdogan, “vocês não sabem com quem estão mexendo”, ainda pode ensejar retaliação no governo Biden, que começa no próximo dia 20.

Os cinco maiores riscos políticos para 2021, segundo a Eurasia Group
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em visita à Somália, em janeiro de 2015 (Foto: Amison/Ilyas Ahmed)

Efeitos do petróleo barato

Com os preços do petróleo em baixa, países da África e do Oriente Médio perderam – ao menos por enquanto – uma importante fonte de receitas.

Na Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), não há consenso entre os membros sobre a paralisação de parte das extrações da commodity como forma de organizar a oferta e segurar a queda livre nos preços.

Com menos caixa e maiores despesas, graças à pandemia do novo coronavírus, governos das nações produtoras entram 2021 com o desafio de manter a situação sob controle.

Não se espera grande elevação dos preços ao longo deste ano, o que pode impulsionar a insatisfação dos cidadãos. Como consequência, crescem as chances de maior instabilidade política em uma região que já é um barril de pólvora.

Mundo pós-Merkel

Depois de 15 anos no poder, Angela Merkel deixará o comando da Alemanha em 2021. A chanceler sai de cena na ressaca da pandemia e da crise gerada pela disseminação do vírus e, para a Eurasia, o continente perde sem sua boa capacidade de negociação.

Sem Merkel, estimam os analistas, é possível que a posição de Bruxelas se torne mais confrontadora em questões como respostas multilaterais e disputas com a Turquia no Mediterrâneo oriental.

A postura enérgica pode gerar riscos em 2021 e é uma demanda antiga do governo francês, até agora neutralizada por Berlim.

América Latina à beira do caos

A região estará encurralada por problemas sociais, políticos e econômicos no ano que se inicia, o que gera mais riscos para 2021.

São os países com as maiores dificuldades para estruturar um programa universal de vacinação contra a Covid-19 e com os menores espaços fiscais para contrapesar a crise econômica.

A Eurasia vê governos da região enfrentando “versões intensificadas dos problemas políticos, sociais e econômicos formidáveis que confrontavam antes da pandemia” em 2021.

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