Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado na quinta-feira (14) revela que autoridades talibãs estão enviando mulheres afegãs para a prisão como medida de proteção contra a violência de gênero. A escalada repressiva contra o sexo feminino é uma das principais marcas da organização jihadista. As informações são da agência Associated Press.
Antes do controle talibã em 2021, o Afeganistão contava com 23 centros estaduais de proteção para mulheres vítimas de violência de gênero. Atualmente, nenhum desses centros está operacional, conforme aponta o documento da ONU.
O Taleban relatou à Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama, na sigla em inglês) que não vê a necessidade de abrigos para mulheres, considerando-os uma “ideia ocidental”. Como alternativa, as mulheres são enviadas para a prisão se não tiverem parentes do sexo masculino seguros. O grupo exige garantias formais dos familiares do sexo masculino quanto à segurança das mulheres, convocando inclusive testemunhas para confirmar tais condições.
O relatório menciona que as mulheres são encarceradas sob o argumento de proteção, uma prática que se compara ao uso de prisões para acomodar viciados em drogas e pessoas sem-teto em Cabul.
Segundo um outro relatório da ONU divulgado em junho, as mulheres enfrentam proibições que abrangem a maioria dos setores de trabalho fora de casa. Além disso, há restrições para que que frequentem espaços públicos como banhos, parques e academias. Elas são obrigadas a usar vestimentas longas e escuras que cobrem o rosto e não podem sair de casa sem uma razão específica ou sem a presença de um tutor masculino.
Outra recente medida nesse sentido foi uma ordem para o fechamento dos salões de cabeleireiro e estabelecimentos de beleza femininos.
O Afeganistão tem sido um dos piores lugares para ser mulher por muitos anos. Mesmo antes dos talibãs, por questões culturais típicas do país, muitas meninas não podiam ir à escola, e práticas condenáveis, como casamento infantil, eram comuns.
Embora tenha prometido moderação no início, o Taleban se mostrou mais engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático, e a misoginia é parte desse processo. Com os extremistas de volta ao poder há mais de dois anos, há preocupações de que a violência contra mulheres e meninas aumente, e as proteções legais possam ser eliminadas.
O relatório da ONU também destaca que as mulheres não podem mais trabalhar em áreas como a aplicação da lei, e sua presença no trabalho é estritamente controlada por supervisores masculinos. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas inclusive contribui para o empobrecimento da população afegã.
Misoginia
Em junho, o principal líder do Taleban, Hibatullah Akhundzada, emitiu uma mensagem totalmente desconectada da realidade, na qual ressalta as iniciativas de seu governo para melhorar a situação das mulheres no Afeganistão. No país, elas enfrentam restrições significativas em sua participação pública, oportunidades de trabalho e acesso à educação, e a população em geral protagoniza uma das maiores crises humanitárias do mundo. Ele, porém, classificou a rotina das afegãs como “confortável e próspera”.
Akhundzada afirmou que o Emirado Islâmico implementou medidas para livrar as mulheres de várias opressões tradicionais, incluindo casamentos forçados, e protegeu seus direitos de acordo com a Sharia, a lei islâmica. Além disso, segundo ele, foram tomadas ações para melhorar a posição das mulheres na sociedade, permitindo-lhes “uma vida confortável e próspera em conformidade com a Sharia”.
A realidade, porém, indica o oposto. Desde o colapso do governo afegão, a repressão contra mulheres e meninas tem sido marca do Taleban. Elas não podem estudar, trabalhar ou sair de casa desacompanhadas de um homem. Também foram relatados casos de solteiras ou viúvas forçadas a se casar com combatentes.
Mais recentemente, os radicais proibiram inclusive o trabalho das mulheres afegãs em organizações não governamentais e na ONU, o que levou muitas dessas entidades a suspenderem a ajuda humanitária que ofereciam à população do Afeganistão, uma das mais necessitadas de tal suporte em todo o mundo.