Anistia Internacional denuncia prisão ‘arbitrária’ de YouTuber pelo Taleban

O influenciador digital Ajmal Haqiqi é acusado pelo grupo radical de "insultar os valores sagrados islâmicos" ao citar o Alcorão em um vídeo

A ONG Anistia Internacional denunciou na quarta-feira (8) a detenção classificada como “arbitrária” do modelo, estilista e YouTuber Ajmal Haqiqi pelo Taleban, no Afeganistão. Ele é acusado de “insultar os valores sagrados islâmicos” por supostamente usar os versos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, em tom de humor.

“Deter arbitrariamente o YouTuber Haqiqi e seus colegas e coagi-los a pedir desculpas porque as autoridades de fato do Taleban se sentiram ofendidas pelo vídeo é um ataque flagrante ao direito à liberdade de expressão”, disse Samira Hamidi, ativista da Anistia Internacional no Sul da Ásia. “O Taleban deve liberar imediata e incondicionalmente os YouTubers e acabar com a censura contínua daqueles que desejam expressar livremente suas ideias”.

O modelo, estilista e YouTuber afegão Ajmal Haqiqi (Foto: reprodução/Facebook)

Ajmal Haqiqi é um influenciador digital de Cabul. Na semana passada, um vídeo no canal dele no YouTube, que teve ainda a participação de três colegas, foi criticado pelos radicais por supostamente usar versos do Alcorão de maneira bem-humorada. Posteriormente, no dia 5 de junho de 2022, o modelo postou outro vídeo pedindo desculpas.

Em 7 de junho de 2022, o Diretório Geral de Inteligência do Taleban prendeu Haqiqi e outras três pessoas sob a acusação de “insultar os valores sagrados islâmicos”. No final do dia, um vídeo de “confissão” do influenciador foi divulgado, no qual mais uma vez ele se desculpou.

O vídeo com o pedido de desculpas do influenciador foi publicado no Twitter por Khalil Hamraz, porta-voz do Diretório. De acordo com a Anistia, são comuns sob o regime talibã os vídeos de confissões gravados sob coerção.

“Este incidente é um exemplo clássico de como o Taleban criou um clima de medo no Afeganistão, usando prisões arbitrárias e coerção para forçar as pessoas ao silêncio”, diz a ONG. “Desde que assumiu o poder, o Taleban vem usando intimidação, assédio e violência contra qualquer pessoa que tenha expressado apoio aos direitos humanos ou valores modernos, especialmente defensores de direitos humanos, mulheres ativistas, jornalistas e acadêmicos, entre outros”.

Por que isso importa?

Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Enquanto isso não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional, justamente em razão das acusações de abusos dos direitos humanos e da forte repressão, sobretudo contra mulheres.

Também pesam contra o grupo as acusações de proximidade com a Al-Qaeda, uma das principais organizações terroristas do mundo. Relatório divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio de 2022 afirma que, conforme avaliação dos Estados-Membros a “Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”.

Reunião de líderes do governo talibã no Afeganistão (Foto: twitter.com/IeaOffice)

Mais que legitimar os talibãs internacionalmente, o reconhecimento fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. Em meio à crise profunda que os afegãos enfrentam, os Estados Unidos liberaram para ajuda humanitária., em fevereiro de 2022, US$ 3,5 bilhões em ativos congelados do Banco Central do Afeganistão em solo norte-americano.

Quando o governo afegão se dissolveu, com altos funcionários deixando o país, incluindo o presidente e o governador interino do banco central, deixou para trás pouco mais de US$ 7 bilhões em ativos depositados no Federal Reserve Bank dos EUA. Como não estava mais claro quem tinha autoridade legal para obter acesso a essa conta, o Fed tornou os fundos indisponíveis para saque.

Washington congelou os fundos afegãos mantidos nos EUA após o grupo islâmico ascender ao poder, em agosto do ano passado. Ultimamente, o governo Biden vinha sendo pressionado a disponibilizar o dinheiro sem reconhecer o regime do Taleban, que alega ser o dono do dinheiro. O valor, então, acabou liberado, com a outra metade destinada a pagar indenizações às vítimas dos ataques de 11 de setembro.

O Afeganistão tem mais US$ 2 bilhões em reservas, depositados em países como Reino Unido, Alemanha, Suíça e Emirados Árabes Unidos. A maioria desses fundos também está congelada. Autoridades norte-americanas relataram ter entrado em contato com aliados para detalhar sua iniciativa, mas Washington foi o primeiro a oferecer um plano sobre como usar os ativos congelados para auxiliar o povo afegão.

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