Entidades humanitárias e ONU sugerem que Israel comete ‘crimes de guerra’ em Gaza

Especialistas citam transferência forçada de palestinos, civis mortos e uso pelas forças israelenses de armamento proibido

Transferência forçada de pessoas, civis mortos e uso de armamento proibido são alguns dos abusos atribuídos às forças israelense na ofensiva contra a Faixa de Gaza. Tais ações têm sido denunciadas por entidades humanitárias e pela ONU (Organização das Nações Unidas), e especialistas afirmam que elas podem constituir “crimes de guerra”.

Israel reagiu a um ataque realizado no dia 7 de outubro pelo Hamas, que somente nas primeiras horas matou cerca de 900 pessoas, muitas delas civis. A resposta veio com bombardeios que devastaram o enclave, e agora as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) preparam uma invasão terrestre que pode envolver até 300 mil combatentes.

Um sinal de que a operação está sendo preparada foi a ordem do governo israelense aos palestinos para que deixem Gaza, medida contestada pelo Conselho Norueguês para os Refugiados (NRC, na sigla em inglês), uma ONG humanitária sediada em Oslo.

“A exigência militar israelense de que 1,2 milhão de civis no norte de Gaza se desloquem para o sul no prazo de 24 horas, na ausência de quaisquer garantias de segurança ou regresso, equivaleria ao crime de guerra de transferência forçada. Deve ser revertido”, disse Jan Egeland, secretário-geral da entidade.

Criança na Faixa de Gaza em meio a bombardeio, maio de 2021 (Foto: Unicef/Eyad El Baba)

Embora destaque a ação covarde do Hamas, Egeland diz que Israel também deve ser responsabilizado se levar a medida adiante. “A punição coletiva de inúmeros civis, entre eles crianças, mulheres e idosos, em retaliação por atos de terror horrível cometidos por homens armados, é ilegal à luz do direito internacional”, afirmou.

Segundo ele, fontes dentro de Gaza ouvidas pela ONG alegam que milhares de pessoas não têm como ir embora, também pela insegurança gerada pelos ataques aéreos. Assim, ele diz temer que os civis sejam mortos pelas forças invasoras sob o falso argumento de que participavam ativamente das hostilidades.

“A perda de vidas civis causada pelo uso deliberado ou indiscriminado da força é um crime de guerra pelo qual os perpetradores terão de responder”, completou.

A Anistia Internacional, já no primeiro dia de conflito, também advertiu que matar civis em um conflito armado é crime de guerra, responsabilizando tanto o Hamas quanto as força de Israel.

“Estamos profundamente alarmados com o crescente número de mortes de civis em Gaza, Israel e na Cisjordânia ocupada e apelamos urgentemente a todas as partes no conflito para que respeitem o direito internacional e façam todos os esforços para evitar mais derramamento de sangue civil”, afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da ONG. “Israel tem um histórico horrível de cometer crimes de guerra impunemente em guerras anteriores em Gaza”, acrescentou.

A ONU seguiu pelo mesmo caminho e condenou “a violência direcionada e mortal contra civis em Israel e os ataques violentos e indiscriminados contra civis palestinos em Gaza.”

Em nota, relatores de direitos humanos designados pelas Nações Unidas disseram que “não há justificativa para a violência que atinge indiscriminadamente civis inocentes, seja por parte do Hamas ou das forças israelenses. Isto é absolutamente proibido pelo direito internacional e constitui crime de guerra.”

“Cerco total”

Outra ação israelense condenada globalmente é o bloqueio absoluto imposto a Gaza e anunciado por Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel. “Sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás… está tudo fechado”, disse ele. “Estamos lutando contra os animais e agindo de acordo.”

A rede BBC informou na terça-feira (10) que a ajuda humanitária não chegava ao enclave desde o dia do ataque, sendo que 80% das cerca de 2,3 milhões de pessoas que ali vivem dependem do suporte externo para sobreviver. Israel e Egito habitualmente realizam um controle severo de tudo que entra e sai da região, e agora o reabastecimento está totalmente paralisado devido ao “cerco total” que foi imposto.

“Neste momento, Gaza está quase sem combustível, com medicamentos e alimentos em níveis perigosamente baixos”, reforçou Egeland, do Conselho Norueguês para os Refugiados. “Esta área densamente povoada está sob cerco total e bombardeamento implacável por parte de Israel. Devemos ser capazes de levar assistência vital à população de Gaza o mais rapidamente possível.”

Os relatos da ONU, por sua vez, classificam o cerco como “ilegal”, acrescentando que ele “terá impactos devastadores sobre toda a população civil” do enclave.

Armas ilegais

Na quinta-feira (12), a ONG Human Rights Watch (HRW) acrescentou uma nova denúncia à lista, dizendo que Israel usou fósforo branco nos ataques aéreos. Vídeos registrados nos dias 10 e 11 de outubro em Gaza e no Líbano, onde Israel também realizou uma ofensiva, foram usados para embasar a acusação.

“O fósforo branco, que pode ser usado para marcação, sinalização e obscurecimento, ou como arma para provocar incêndios que queimam pessoas e objetos, tem um efeito incendiário significativo que pode queimar gravemente pessoas e colocar estruturas, campos e outros objetos civis nas proximidades em chamas”, diz a HRW.

Lama Fakih, diretor para o Oriente Médio e Norte da África da ONG, explica que o uso do fósforo branco é ilegal quando atinge áreas urbanas povoadas, caso de Gaza. Relatório do grupo acrescenta que o uso do artefato não é novidade e já havia sido identificado em ações militares anteriores de Israel em Gaza.

O caso chegou a ser debatido inclusive no Supremo Tribunal de Justiça de Israel em 2013. Na ocasião, o governo prometeu que deixaria de utilizar fósforo branco em áreas povoadas, exceto em duas situações específicas que foram mantidas em sigilo.

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